É mais do que a tabela da classificação

Sentada no sofá em frente à TV, ouvia Marta numa entrevista sobre o início de carreira, as dificuldades.

Já tinha frequentado estádios, hoje só a distância; esbraveja e ‘xinga’, como boa torcedora que é.

Voltou ao passado; no ensino médio quando entrou numa escola de pessoas grandes.

Logo descobriu que ali tinha um time, e se reuniam toda sexta, na quadra.

Ficou louca. Apesar de o pai ser contra mulher jogar futebol, aprendera coisas tidas como “de meninos” com os irmãos.

O pai de olho, a mãe cumpria “ordens” dele.

_ Sá, não deixa essa menina ficar feito macho por aí!

Ele não batia, mas castigava.

Na sexta foi para a reunião, participaria nem que fosse para ser expulsa antes do começo.

De longe atenta; o jogo seria na quarta contra as “superpoderosas” de uma escola renomada.

Aquilo tudo não saía da sua cabeça, por outro lado, o pai:

_Longe da bola, menina!

A mãe:

_Não vá desobedecer a seu pai!

Tinha medo, mas...

Na quarta foi barrada; desandou num choro. A mãe não arredou pé. O choro só aumentava.

_Por favor! Pediu.

Tanto fez que conseguiu.

Saiu de olhos inchados; subiu até o terceiro degrau da arquibancada: atenta e discreta.

Movimentação pelos cantos do campo; falas altas e comandos.

Quando viu que alguém apontava em sua direção; uma garota já veio correndo: _Venha! Precisamos de você!

_De mim?

Foi puxada pela mão; contornaram o alambrado e se juntou ao time.

_Faltou uma jogadora, topa jogar só hoje? Foi direto o treinador.

_Euu! Nem sabia o que dizer.

_Boa sorte! Direto e meio mandão.

Aquele ‘só hoje’ incomodou, mas já estava em campo.

O apito. Cobriu a ponta direita, veloz e o seu drible de arrancar olé da torcida.

Hábil com a bola e apesar de pequena tinha um canhãozinho nos pés. Cruzava com disciplina e cuidado. A bola chegava mais redondinha nos pés e cabeças.

Ousada; arriscou, e GOOOL!

Era quase quarenta e cinco do segundo tempo quando foi atingida brutalmente numa dividida por uma garota gigante, mas não tinham tempo para virada; a rede das adversárias balançou quatro vezes, na sua, só o vento passou por lá, terminando assim o legado de invencibilidade das superpoderosas.

Em casa, só o pai não aplaudiu, machucada e de castigo. Cartão vermelho.

Não se importou muito. Havia valido a pena.

_Se o castigo se manter; fujo. Pensou decidida.

Às vezes os jogos aconteciam em horário escolar, na educação física, o pai nem ficava sabendo.

Algum tempo depois já ouvia com mais tolerância as pessoas que o abordava; a mãe explodia por dentro sem poder se manifestar.

Passou a fazer parte do time desde então; com fã clube e tudo.

Não entendia muito aquele sucesso, era o papel do jogador jogar e realizar o espetáculo para a torcida. O esforço físico é vital para o futebol, mas a torcida é necessária.

Apaixonada pela bola jogou até o término da faculdade. Ainda bate um balãozinho, mas pendurou as chuteiras.

Talvez pudesse ter sido uma “Marta” se não tivessem podado sua asa; o incentivo é riqueza.

Foi tão rápido esse memorar que voltou em sim e a Marta finalizava a entrevista:

_ “Quero dedicar essa homenagem as mulheres do esporte que vem quebrando barreiras. Liberdade para fazer o que quiser.”

E a última imagem na tv foi uma chuteira preta e sem marca com um marco a favor da igualdade de gênero no esporte.

Seus olhos se inundaram.

Raquel Ordones

Raquel Ordones
Enviado por Raquel Ordones em 19/09/2022
Código do texto: T7609784
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