Crônica de uma terça-feira (eu sou interminável)

Caro leitor, aqui estamos nós, em mais uma terça-feira. Já são 21:03 e eu pensei que não iria conseguir escrever hoje, mas aqui estou eu, cumprindo o meu acordo. Escrever toda terça-feira, como forma de refletir sobre algo que pode estar me afligindo no momento ou nos dias que antecederam a escrita da crônica.

E o que vem ocupando os meus pensamentos hoje e nos dias anteriores é uma sensação de insuficiência, de não saber quem sou e não gostar de quem eu sou hoje. Para quem é ansioso, esse tipo de pensamento é bem recorrente e pode ser bem frustrante.

Sabe, há dias em que a parece que já sabemos direitinho quem somos, o que queremos da vida. Contudo, basta vir um amanhecer para trazer hesitação e inquietação. Nos damos conta de que não, é claro que não existe essa história de estar completo, finalizado, pleno. Eu sei quem eu sou até esse momento em que escrevo, por enquanto. Mas há a chance de isso mudar até que eu chegue ao fim do texto. A vida tem muitas variáveis que moldam nossas escolhas e modificam nossa existência. Por exemplo, eu posso receber uma mensagem agora, me convidando para algo novo, que eu nunca experimentei e “boom”, a minha certeza de vida se vai. Ou posso ler uma notícia que me deixará chocada. Ou receber uma lapada da vida. Ou simplesmente ser levada com o tempo a amadurecer. Seja o que for, eu serei um pouco mais (ou menos) do que sempre fui. Ser eu – ou ser você, caro leitor – é uma linha cheia de ondulações e curvas e que balança facilmente diante das circunstâncias. Ao menos para mim, a minha vida é uma estrada sinuosa, quase sem retas, com alguns buracos e sem acostamento.

A cada dia que vivo, um fato vira memória, conheço alguém novo ou uma pessoa que amei volta do passado para o meu presente, uma ilusão se desfaz, outra desperta, emito uma opinião controversa, observo o céu e me permito acreditar que tudo vai ficar bem, confabulo fofocas e aprendizados, assimilo novas sensações e conhecimentos, agrego todo esse movimento contínuo à minha identidade, que está longe de chegar à conclusão.

Eu gostaria muito de saber quem sou, mas como arriscar uma definição se ainda há tanto que eu posso escrever, refletir, experimentar e viver durante um punhado de anos pela frente?

Tenho alguns poucos sonhos e planos para o fim de semana. Coisas para ensinar no trabalho para as colegas. Livros para ler e comprar novos. Fome de alguns alimentos que ainda não saboreei. Esperar que eu volte a sentir cheiros e gostos como antigamente, em plenitude. Algumas incertezas que doem e para as quais não há cura enquanto eu não acabo de me entender. Eu não me acabo nem quando me deito e durmo, pois tenho sonhos que gostaria de entender, desejos inconscientes e mensagens que podem significar alguma coisa ou nada. Sentir a maresia do mar com mais frequência. Encarar os problemas e resolvê-los.

Enfim, isso levaria muitos parágrafos e anos para chegarmos alguma conclusão. E essa é a graça da coisa, caro leitor. Essa incongruência, indefinição, humanidade pulsando em nós e nos movendo a viver cada dia com a certeza que fazemos e somos quem podemos ser.

Definir quem sou? Não ousaria fazê-lo. Enquanto isso eu vou espiando os meus anseios, lidando com os meus espantos, encaixando as pecinhas dos mistérios que ainda não elucidei e vou seguindo adiante. Assim, eu me moldo, me adapto, me dilato, me admito, me reinvento, me descubro. Eu sou interminável. Eu sou um eu sem fim.

Belinda Oliver
Enviado por Belinda Oliver em 27/09/2022
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