Como é fazer 72 anos

COMO É FAZER 72 ANOS

Quando completei 60 anos, eu comecei a escrever sobre essa faixa etária e da sensação incrível de ser sexagenário, das lembranças da melhor juventude, jamais vivida de todos os tempos.

Ano passado eu deslizei pela Bahia de São Marcos e falei do grande navio negro, com seu apito estridente, a rasgar o canal do Cais da praia Grande. São Luís completava 409 anos e eu 71 Envelhecemos eu mais lento e São Luís mais veloz em todos os sentidos, e até posso dizer que eu não conheço mais a minha cidade. Todos os espaços estão ocupados e, até o clima mudou. Este ano choveu muito fora de época. Dizem e nominam de fenômeno progressivo, porque agora, quase tudo acontece. Mas, a chuva miúda caia entre nuvens esparsas e um calor quase que insuportável naquela sexta feira de final de setembro. Ainda era cedo quando estacionei o carro e subi pelo beco da Pacotilha, passei pela barbearia, cumprimentei o Nélio, barbeiro e amigo de tantos anos. Mais adiante adentrei o casarão secular que abriga hoje a procuradoria do Município de São Luís, onde as suas paredes de espessura colossal, seus azulejos desgastados mas, de uma energia que ultrapassou anos, eras e, presencia hoje tudo o que não mais conhecemos, que se perderam no tempo e reside tão somente na lembrança tênue de pessoas como eu, mas, sobre o impecável teto eu vislumbrei a clara bóia ornada com vidros cristal e moldura finamente talhada em cedro que responde ao mundo a história de um passado distante e de anos doirados e dignos de uma tela, sei lá. Pintada por tantos de nossos artistas famosos e outros anônimos que vivem ou viveram entre nós, a magia e o encantamento do que é ter tido a felicidade de nascer em um lugar como esse. Mas, agora em estado de transe entre tantos e quantos alvitres eu percebi que os raios de sol penetravam teto abaixo, e ouvi chamarem por mim. E a voz do mar estava naquelas palavras, a voz do vento, das arvores e os sons do sol entrando pelas janelas e pareciam olhos que olhavam para mim, como as estações do ano olhariam para o campo. Volvendo as vistas para o céu, as nuvens pareciam as mesmas, mas o tempo passou tão rápido que eu não tive tempo para contar tantas historias e nem para sentir que os cabelos brancos assomavam a minha cabeça. Também, conheci gente que rema contra todas as correntes, mas que jamais encontra a nascente, que segue o rumo de todos os rios mas não se atreve enfrentar o mar... Assim, são muitos aqueles que edificam impérios, que adormecem nos sonhos, mas despertam em pesadelos, afinal, imaginar viver, não é o mesmo que viver, é que jamais conquistaremos o universo porque há um reino dentro de nossos corações e um império nos espaços vazios da alma. Me senti deveras, leve e, como o vento que espalha as sementes e espera pelos frutos, que mesmo tendo atravessado as fronteiras do silencio, sempre segui a trilha das águas e com tal impetuosidade eu chego ao mar. Pelo menos, naquele ponto do cais ainda está tudo como antes. Posso me sentar e contemplar alhures o momento mágico retratado milimetricamente quando o sol se torna uma enorme e bela circunferência alaranjada mergulhando lentamente sobre a imensidão do mar. A revoada tardia dos guarás abandonando as praias e buscando abrigo nos manguezais, já não é tão claro, e ao largo, uma vela branca anuncia que logo um barco chegará. Prontamente, os sons da noite se misturam com as luzes da cidade, assim, pessoas comuns e outras nem tanto caminham por outros lugares, à procura quem sabe... Agora, que o sol se pôs e a lua tímida ainda não se assenhoreou da noite, as minhas vistas percorrem as estrelas e sentindo o vento cada vez mais frio, caminho solitário por ruas desertas, rumo ao encontro dos meus 72 anos que chega disfarçadamente, deixando em mim um sorriso largo, franco como há muitos anos atrás à beira de uma juventude inflada eu tive, mas, se o amor é como o sol, amanhã ele nasce novamente e, quem sabe. Traga uma senhora encantadora com belos pensamentos entre eles, amar novamente...

Airton Gondim Feitosa