CASA-GRANDE & SENZALA, AINDA!

O título desta crônica nos remete ao livro escrito pelo sociólogo Gilberto Freyre, mas servirá apenas como introdução para algumas reflexões importantes. Como o saber não ocupa muito lugar, considero importante ressaltar que, em sua obra, Freyre analisou os três povos que estão na formação do brasileiro: os indígenas, os brancos (português) e os negros.

O livro foi escrito em 1933, quando havia no nosso País, pessoas pregando que há raças superiores e inferiores e que cruzamentos entre elas resultariam em um povo degenerado e incapaz. Em sua obra, composta por 5 capítulos, Freyre recorda que o Brasil foi colonizado com base na agricultura, em que predominava o trabalho escravo, inicialmente do índio e depois do africano, em um regime de monocultura.

Remetendo-nos ao título da obra de Freyre, aprendemos nas aulas de História do Brasil que a casa-grande era o local onde moravam os donos dos escravos, que em sua maioria habitavam as senzalas. Imagino que ali era o lugar do “bem-bom”, do gostoso, dos colchões e lençóis macios, limpos... onde moravam aqueles que tinham o poder de subjugar seres humanos, de mandar fazer, de mandar surrar, de obrigar as negras a se deitarem com os sinhozinhos... Enquanto isso, nas senzalas moravam aqueles que se esgotavam de trabalhar nos canaviais ou servindo todos na casa-grande, mesmo.

Nas salas de aula e nos livros, nós aprendemos que os negros comeram “o pão que o diabo amassou”, desde quando foram capturados e vendidos por seus pares na África, embarcados nos porões miseráveis dos navios negreiros, tendo de cruzar o Oceano Atlântico desde o seu continente natal até a América. Após até 60 dias de navegação insana, eles eram desembarcados para serem comprados como animais aqui no Brasil.

Não dá para entender o tamanho dessa dor quem for incapaz de imaginar o que deve ter sido esse período vergonhoso da história humana, aquele que não consegue sentir empatia. E pensar que os brancos frequentavam as igrejas, diziam-se cristãos, comungavam.... Certamente, achavam que Deus se agradava desses atos infames. Que o fogo do inferno continue os queimando!!

Depois de muitas pressões da Inglaterra e de Leis como a Eusébio de Queirós (1850), que proibia o tráfico negreiro da África para o Brasil; a do Ventre Livre (1871), que estabeleceu a liberdade para os filhos de escravos que nasciam após essa data; a do Sexagenários (1885), que beneficiava os negros maiores de 60 anos; finalmente, em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, libertando cerca de 700 mil escravos, que passaram a não ter mais onde morar ou comer, já que seus ex-donos estavam indignados por terem perdido suas mãos de obra escravas.

Para amenizar a crise com o pessoal da casa-grande, a monarquia distribuiu um monte de título de barão e baronesa para os escravocratas e, talvez, essa seja a origem daquilo a que hoje nós chamamos de “Centrão”. Por outro lado, a partir daqueles 700 mil negros libertados em 1888, após milhões de copulações, outros negros, cafusos, caboclos e mamelucos nasceram.

Após tanta miscigenação, alguns clarearam (como eu) e, com muito suor, conseguiram comprar uma casinha, uma bicicleta, uma moto ou um carro usados... Outros tiveram mais sorte e com esforço (ou não) compraram “casas-grandes” mesmo e chegam a empregar pessoas que os servem... Como eles não carregam a cor original da pele e não trazem nos corpos as cicatrizes das chibatas desferidas nos pelourinhos, eles se julgam originários da casa-grande, desde sempre, e adquirem hábitos similares aos que eram praticados lá.

Sem serem capazes de entender quase nada dos parágrafos acima e sem o hábito de pesquisar aquilo que lhes ensinaram na escola, mas que ficou perdido no meio da indolência ou da preguiça; vários ainda comem as migalhas da “casa-grande”, moram nas “senzalas”, mas preferem ser alienados até mesmo quando têm de escolher seus representantes: eles escolhem votar nos “sinhozinhos”, mesmos que estes sejam umas porcarias como seres humanos. Talvez façam isso julgando que herdaram umas gotinhas de sangue daqueles que “visitaram” as intimidades de suas ancestrais.

Realmente, Gilberto Freyre, tinha razão: a miscigenação nos tornou amáveis, divertidos, gente boa... Ocorre que ela também nos deu uma amnésia histórica e uma ingenuidade que originam escolhas equivocadas e coisas horríveis, tais como os milhões de brasileiros que hoje não se alimentam decentemente e não têm, nem mesmo, uma “senzala” para os abrigar.

Um outra coisa decepcionante, originada por essa amnésia, é ver os "estandartes" que representam a "casa-grande" ornando as "senzalas" e os carros de quem deveria ter vergonha na cara e respeito por todos os que os precederam, por aqueles que mais sofreram, por todos os que ( gostando ou não) ainda estão vivos no seus DNAs.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 04/10/2022
Reeditado em 04/10/2022
Código do texto: T7620403
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