Vamos dar dois dedos de prosa, São Francisco?

Então hoje é o seu dia, né São Francisco? Mas já somos tão familiares, tão conhecidos, que eu te chamo de Chico. E aí, Chico, beleza?

Em primeiro lugar: meus parabéns. Sinceros parabéns. A minha admiração e respeito por você já remontam algumas décadas. Você foi – e é – um símbolo de amor universal, incomensurável, um representante legítimo de tudo aquilo que Jesus de Nazaré nos trouxe e padeceu muito para que pudéssemos aprender a amar.

A sua dedicação aos mais simples sempre me encantou e me fez ser uma apaixonada pela vida. Chico, eu adoro viver! E você tem muito a ver com isso. Obrigada. Mil vezes obrigada!

E eu sempre me desabafo com você. Todos os dias conversamos diante do meu pequeno altar aqui na sala de casa. Lá está a sua representação, de Nossa Senhora, aquela Divina mulher, de Santa Rita e eu colocaria diversas outros símbolos de divindades. E eu gosto de beijar a sua carequinha! Conversamos sempre, né Chico? Todos os dias, todas as noites e eu peço que tenha compaixão de todos os oprimidos e oprimidas, doentes, desempregados e desempregadas, excluídos e excluídas. Peço pelos povos das florestas, das periferias. Peço pelos que sofrem nas guerras, nos acampamentos. Peço pelos quilombolas, pelos indígenas, pelas minorias. Pelos refugiados e refugiadas. Peço, peço, peço. E me desculpo pela minha pequenez e me comprometo a ser um pouco melhor a cada dia, justificando para mim mesma a minha existência. Não me esqueço de pedir desculpas pela vergonha que estamos passando.

Sabe, Chico, esse país lindo, de natureza mansa, de montanhas poéticas, de mares azuis continua a apodrecer.

Estou com medo, Chico. Medo das gentes que por aqui habitam. De novo o espectro da valorização da morte nos ronda. O ódio, o deboche aos moribundos, o ódio aos pobres... tudo isso se avoluma. Milhões têm pedido a permanência desse estado de barbárie. Pedem, aplaudem, usam uma roupa amarela própria e se exibem. Dos seus carros buzinam e uns tantos outros adoram exibir armas e se matriculam em escolas de tiro. E saem por aí dizendo que são cristãos.

Eu me lembro das missas que eu frequentava na juventude. Muitas vezes o padre (que não era fake) dizia que Deus detesta a hipocrisia.

Nada mais justo. Detestar a hipocrisia! Cá prá nós: eu também detesto. Confesso que essa é uma das minhas grandes dificuldades: lidar com falsidade.

Eu me vejo hoje, Chico, perplexa diante do absurdo mais uma vez. Por estas plagas existe um sujeito que ocupa o mais alto cargo político e xinga, desdenha, debocha, se compraz da desgraça alheia, ofende, despreza, caçoa e acha que mulher é cadela. Já pegou crianças no colo e ensinou a fazer arminha com as mãos. Quanto à honestidade prefiro nem lhe falar. Eu penso que você duvidaria de mim.

Estudando o Evangelho Segundo o Espiritismo eu li uma das perguntas que nos será feita quando chegarmos do lado de lá: “o que você fez dos filhos que Eu te confiei?” Desculpa, Chico, mas tenho vontade de rir quando eu imagino aquele fulano sendo questionado dessa forma. Perdoa a minha maldade, mas tenho vontade de ser uma pulguinha para estar perto e ver esse momento chegar.

Chico, já pensou ele responder a tudo o que fez? Que zombou dos empobrecidos, dos doentes, dos desempregados, dos negros, mulheres, que saqueou uma nação, que nos fez retroceder, que difundiu a barbárie, a ignorância e a violência.

Olhando por esse ângulo, eu chego a ter pena do futuro desse ser vivente. Claro que estamos sofrendo muito, mas sei que ele terá que responder a todos e todas. Penso que não sairá barato.

Muitas vezes, Chico, me sinto entristecida. Penso: que resposta eu vou lhe dar quando leio uma das suas máximas: “que eu seja tão feliz e alegre que as pessoas ao chegarem perto de mim sintam a Tua presença”? Às vezes estou tão triste que prefiro nem conversar.

Estou triste, Chico, com medo de que a aspiração da morte, o valor ao desrespeito, do ódio ao pobre, às mulheres, aos considerados fora dos padrões normativos se sobreponham ao sonho de viver em paz.

Mande notícias, Chico. Mande para todos nós a esperança, a luz, confiança e muita, muita fé e alegria de viver.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 04/10/2022
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