PARA INGLÊS VER

Admira-me observar o trabalho desenvolvido na chamada industria da construção civil. Posso afirmar, de cátedra, tratar-se da mais primeva das atividades. Afinal os humanos colocam pedra sobre pedra desde os tempos imemoriais. Nada mais simples e de desnecessária qualificação. Qualquer um se aventura. Uns estudam, procuram desenvolver técnicas e aprimorar a produtividade, já a amaioria sequer sabe ler ou expressar-se. No entanto, sem cerimônia, todos são igualmente construtores.

Possuímos, cá no Brasil, um sofisticado sistema de controle da atividade. Sistema que fiscaliza e pune somente àquele que se aventurou nos bancos escolares e que trabalha sob a luz do dia, sem se esconder ou sonegar. Uma minoria. A vasta maioria do país dos construtores, apesar de às vezes ser genial em suas mambembes soluções, sequer sabe deste sistema fiscalizador ou de suas finalidades e resultados (basta ver a ocupação dos morros e das encostas, ou os sobrados nas favelas). Temos também um grupo de abnegados estudiosos que procuram normatizar a atividade e os insumos necessários ao bom desenvolvimento da mesma. Este é outro grupo absolutamente desconhecido da maioria da população. Falamos do sistema CONFEA/CREAS e da ABNT, respectivamente Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (e suas Regionais) e da Associação Brasileira de Normas Técnicas.

A par de tudo isso, dessa dissociação, temos também uma intrincada teia legislativa e normativa, tanto da atividade em si, como de suas conseqüências. Existem leis tanto para o construtor como para a população em geral. Trata-se do Direito Urbanístico e das normas relativas ao Direito Civil e ao Direito de Construir, incluídas aí aquelas relativas ao conviver com urbanidade. Quem tem vizinho, sabe do que falo. Em geral todas elas pouco ou nada respeitadas. Até parece que a realidade fática é uma e a legislação seria de outro mundo.

Quem sofre as conseqüências é a população em geral, fadada a conviver com desabamentos, toda sorte de infortúnios, enchentes e insalubridades as mais diversas. Como já vimos, não é a falta de legislação e sim seu efetivo cumprimento que impedem uma qualidade de vida digna, pautada em padrões aceitáveis.

Essa é uma das faces crueis de nosso sub-desenvolvimento, à vista de todos e com a qual nossos governantes pouco, ou nada, se preocupam. Somos o país do faz de conta. Fazemos de conta que temos governantes sérios e leis adequadas, fazemos de conta que as leis são cumpridas. Inclusive fazemos de conta que não sabemos o que acontece ao nosso redor. Nosso Presidente da República, por sinal, é especializado nisso. Coisas do país que inventou o termo “para inglês ver” e suas mais diversas aplicações.