Meu fator afrodisíaco, diga-se de passagem, o perfume metafórico perfeito, que me atrai como um cheirinho de café, é a inteligência. E a capacidade de posicionar-se diante dos mais diferentes assuntos. 

 

Não me iludo com a ideia de que todas as pessoas são capazes de dominar todo ou qualquer assunto, mas, ainda que seja um olhar questionador, o feedback é uma aposta certeira para dar continuidade ao jogo.

 

Raras exceções, é claro, desmontam a ideia de que todo retorno, ainda que meramente formal ou para evitar o vácuo, seja um constrangimento.

 

Não bastassem as investidas dos portugueses, ainda em 1500, e os Cabrais que vieram nas expedições do descobrimento e se tornaram toponímico nestas terras, vez ou outra, perco a fala, ou a vontade de manifestar meus posicionamentos, seja por respeito à individualidade ou por mero critério de seleção de contextos: absurdos passam pelos meus ouvidos sem neles adormecerem.

 

Cabralia é juiz de direito de uma pequena comarca do interior. Cidade onde os crimes contra a vida que vão à júri popular são vistos como um filme de terror. Logo, os potenciais jurados, desabrocham mil e uma desculpas para não serem convocados. A juíza que outrora, desempenhava suas funções naqua comarca, realizava uns eventos extrajudiciais de grande repercussão em que intimava os possíveis participantes a participarem de um café social de cunho informativo-judicial. Nunca deu certo, porque o medo do povo era tão grande que teve até parada cardíaca em plena sessão aconteceu.

 

Mas o novo juiz, que em idade somava bastante, pensou que iria chegar no redondo e virar a grande celebridade. Deu-se, pelos motivos já expostos, a participar da vida social do lugarejo. 

 

Na padaria estava o juiz. No supermercado. No boteco do Manoel. Ele tinha um tal de "é só cantar a bola que ele bingo!". Alguém pode avisá-lo que bingo no Brasil é crime tipificado?

 

O povo parecia assustado com aquele homem de terno preto com gravata verde limão. Mas tentava manter a ordem no meio da desordem de sua recém-chegada.

 

Numa audiência, na sexta-feira, o então Máskara, apelido melindroso que deram a ele, veio puxar papo:

 

- Gente de bem, não precisa trancar as portas. A sua idoneidade é um sistema de segurança blindado.

 

Creio quisesse o tal juiz, captar homens de boa fé co. seu discurso inflamado.

 

Sorriso torto, sobrancelhas arqueadas e nariz em posição de "tô sentindo cheiro de treta" foi minha humilde resposta. E o homem salvaguardou:

 

- Se for um cidadão de bem, ainda que a porta esteja aberta, os que o cercam, sairão em sua defesa e a ordem será restabelecida sem nenhuma perda.

 

Já tinha apagado a minha reputação de cidadã de bem, na primeira frase: tenho fechaduras normais, chaves terras e câmeras de segurança. Mas o segundo round acabaria de vez com quem eu era: dos 36 apartamentos que fazem parte do prédio, conheço pessoas apenas em dois. Logo, fadada estava a mais nova nomenclatura que o inspirador juiz havia criado: cidadã do mal.

 

O riso deu lugar ao alinhamento da curvatura da coluna, a elevação da crista e à posição bico de ataque. Mas uma voz mesquinha gritava em meu ouvido: ... É o juiz... É o juiz... É o novo juiz. Aquiete-se.

 

Segurei a espora no último segundo do terceiro tempo e trilhei (carinhosamente) a trajetória paz e amor, abanando o rabo, digo a bandeira, com apenas uma frase:

 

- Seu Cabralia, ainda bem que o senhor nunca foi assaltado :Gato escaldado tem medo de água fria!"

 

E Cabralia, vulgo Máscara, cidadão de bem, temente a Deus e sua ordem, cochichou entre os dentes:

 

- E não foi por isso que vim parar nesse lugar onde nem Judas perdru botas?

 

Silêncio no tribunal (que era mentalmente criado em segundos, com rostos dos mais diversos, daquele lugar, onde Cabralia, recentemente se instalou).

 

E de novo a voz que me persegue, como quem me instrui a ser cidadão de bem pro mundo: "nem todo discurso é ciência, mas toda ciência tem um recurso".

 

E todo juiz um discurso...