O Chinelo Vermelho

Decidi comprar um chinelinho de pano para minha mãe, e do número dela, só tinha vermelho. Quando fui pagar, o vendedor disse que não tinha maquininha, pediu para eu pagar na banca que ficava ao lado:

” – Depois eu acerto com ele, pode pagar ali”

E o ali, nem era uma banca, era uma uma mesinha de madeira metade coberta por camisetas do Bolsonaro e metade com as do Lula. O cliente via as coisas pelo outro lado, mas o vendedor via do certo, à direita, Bolsonaro, à esquerda, Lula, mesmo que de cabeça para baixo.

Eu vinha da banca da esquerda, logo, nesse mesmo lado fiquei na mesa, para pagar o chinelo. Parece confuso essa coisa de esquerda, direita, mas é assim, tudo relativado, dependendo do ponto de vista do sujeito depois escolhe-se o verbo para depois entender o significado.

Do outro lado, em frente à mim, à direita do vendedor, no caso, estava uma moça, que não devia ter mais de 40 anos, cabelos lisos, reflexados, mas sem bolsa (o que não parece relevante aqui, mas um expert da psique humana, pode ver nesse detalhe algo interessante). Ela mexia na camiseta do Bolsonaro, cuja cara vinha ali estampada bem grande com o fundo da nossa bandeira (gosto de frisar, sempre que posso, até os fins do meus dias, o pronome ‘possessivo’ ao invés do ‘possuído’)

De frente para a banca um nordestino para para perguntar os preços do boné e da camiseta. Não há necessidade de dar maiores detalhes quanto a sua escolha. Se interessou, mas deu a entender que achou caro, e seguiu caminho. A moça ainda ficou ali em silêncio, mexendo no ‘Bolso’, aparentemente pensativa. E eu, que estava aguardando a maquininha finalizar a compra, via tudo aquilo na boa disposição de quem se depara, nos dias de hoje, com uma mesa democrática. E resolvi participar também, brincando com o vendedor:

” – Depois na volta vou comprar uma dúzia dessa aqui (apontando para a que combina comigo, com o chinelinho da matriarca e com o gosto do nordestino).

Concluído o pagamento, peguei minha via e fui embora. Ainda ia passar em dois lugares na Praça Sãens Pena e um deles, era a Loja Americana. Uma calçada movimentada. Eu andava sem pressa, olhando tranquilamente a paisagem colorida de camisetas, folhetos, adesivos e bandeiras, cada um com a sua campanha, até que, um pouco mais a frente, dou de cara com a moça-sem-bolsa, conversando com dois policiais do “Segurança Presente”. Eles não pareciam estar dando muita atenção à ela, apenas a ouviam. O motivo dela ter me chamado a atenção é que ela parecia estar olhando na minha direção, aliás, mais que isso, ela parecia estar olhando para mim. De repente, quando eu me aproximei diametralmente, ela enrugou o nariz quase a alcançar as sobrancelhas, lançou sua indignação e plaff…:

” – que nojo!”

Depois de soltar isso, torceu o corpo para o lado parecendo querendo fingir não ter dito nada, típica reação de um adulto mimado.

Quando a gente se depara com algo assim, abrupto, à revelia, sem contexto, a gente custa a entender do que se trata, muito menos que possa ser você o objeto direto. Então, eu segui adiante. Aos poucos, passo a passo, comecei a pensar se o que ela falou foi comigo. Ainda me custa acreditar que sim, mas quanto mais penso, mais reconheço que foi isso.

Não alterou em nada o que tinha a fazer, voltei para a casa com o chinelinho e, agora, aqui me aproveito do ocorrido, tiro um caldo, e me exercito. Quem sabe amanhã acordarei também rindo quando ver adultos crescidos educando os não crescidos.

Como se distingue os crescidos?

São os que trabalham duro para conseguir algo, Quer um exemplo?

o povo nordestino.