Nem adianta revirar os olhos, Belchior. Citá-lo-ei, ainda que saudosamente, para dizer que foi por medo de avião... Não! Eu não segurei a mão da aeromoça, - embora tivesse vontade de pular no colo dela feito um bebê - e nem me apaixonei por ela, tenho minhas preferências (que não vem ao caso) Brad Pitt que o diga! - mas finquei meus pés no chão, como se a lataria que compõe o solo da aeronave fosse maleável (o suficiente) para fixar profundamente minha bandeira de pés (ou meus pés de bandeira, como queiram). 

 

Não é possível que alguém goste de viajar de avião. Desde o jardim de infância com a Tia Isabel, aprendi que para voar, não é suficiente ter asas, mas é fundamental que elas se movimentem. Contrariando a natureza divina da criação da humanidade, vieram os engenheiros e planejaram aquela geringonça espalhafatosa, barulhenta e invasiva: afasta a todos, sem distinção.

 

Lembro-me da minha primeira vez. Meu pai ansioso, queria nos ver felizes. Somos quatro. Apenas eu, a "rapinha do tacho", fui amaldiçoada pelo espírito do véu e herdei como legado esse medo inexplicável por avião.

 

Boba não sou! Peguei logo a poltrona da janela, assim as cortinas ficariam fechadas e ninguém, digo ninguém, atrapalharia a minha paz momentânea.

 

No início, pensei que meu pai fosse um assassino em série e quisesse nos levar para a morte, como um homem bomba, por exemplo, em nome de Deus ou de qualquer seita que raptava crianças indefesas, que só andavam de carro ou trem. Depois, pelo deslumbramento da maioria (meus irmãos amaram), percebi que pai foi um herói!

 

A aeromoça pegou a máscara e começou a falar algumas palavras, só me lembro de ter ouvido a parte em que dizia que devemos colocá-la primeiro em nós e, depois, nos outros. A vontade era de gritar:

 

- Moça educada, a única máscara que vi na vida foi do Zorro. Uma que meu pai vivia usando pra imitar o personagem. Na boca, nem mamadeira! Minha mãe era boa de leite.

 

Mas era dispensável qualquer fala, qualquer movimento. Estava entregue... Ao movimento dos ventos. Que não trazia nada de bom.

 

É engraçado como a fé cresce, dentro do avião. Tem um cidadão, médico cirurgião da minha cidade, que fala que religião e crenças não servem pra nada. Discordo Dr. Dário! Na hora da morte ou na possibilidade de tê-la soprando em meu ouvido, qualquer clamor alivia: 

 

- Virgem Maria! Valha-me Deus. O que é isso?

 

A aeromoça, calmamente, como os funcionários do Titanic tocando os instrumentos, repetia:

 

- Fiquem calmos. Estamos passando por uma turbulência.

 

Como assim, moça? Uma turbulência? Quais pecados me trouxeram para esse pré-purgatório? Era infinitamente maior que qualquer frase escrita as sensações que me tomaram. Era frio na barriga, mãos suadas, coração disparado, pedido de perdão, súplica de misericórdia, Ave- Maria...

 

E o Senhor dos céus, do vento e até desse avião soprou as nuvens e tudo ficou estável. Quase tudo. Porque de mim não poderia esperar tanto...

 

De repente, do quinto dos infernos, só pode, aparece o Magno, o primogênito da família, estica o braço e abre o vidro pra que pudesse ver as nuvens.

 

Lembro-me de ter visto duas ou três nuvens, antes de me dar conta de que soprava um saco de papel.

 

- É bom para ansiedade. Dizia a aeromoça.

 

Agora tinha mais essa: não bastasse tudo que vivi nessa viagem lunática, meus irmãos estavam envergonhados por causa de uma crise de pânico que vivi.

 

Meu pai, certamente, começou a se arrepender, naquele momento, de fazer aquela surpresa no Dia das Crianças. Até falei com ele que parecia Dia das Bruxas, mas ele retrucou:

 

- Larga de bobagem, minha filha. Da próxima vez passa.

 

Se passaria ou não da próxima vez, naquele dia, jamais saberia. Agora, tenho certeza: nunca vai passar.

 

Outro dia, o Rosevaldo veio com uma história de que as estatísticas não mentem e que, a probabilidade de um acidente de avião é oitenta por cento menor que de carro. E que isso deveria me preocupar, afinal vivo em estradas, especialmente, a BR040, no seu trajeto mais perigoso, por ausência de duplicação. De acordo com ele, a possibilidade de um acidente de avião ocorrer é de 1 em 350 mil, algo raro.

 

Creio, quisesse acalmar os meus ânimos. Mas a ideia de morrer em queda é algo que não consigo disfarçar, nem mesmo para a aeromoça, quando sorri, ofertando um lanchinho. Já a respondi em sílabas separadas. Julguem-me.

 

Disseram-me que os que morrem em aviões tem tempo de solicitar clemência. Quem, em sã consciência, lembrar-se-ia de uma súplica de Misericórdia, quando todos estariam despencando para o poço mais profundo da vida? A morte com a foice e você tentando uma conversa co o Todo Poderoso Chefão. Se ele me ouvisse, naquele momento, ia pedir logo pra para o avião.

 

Mas, enfim, uma coisa é certa: entre o céu e o mar há um abismo, onde os que usam avião, correm risco de habitarem primeiro. 

 

E se disserem que há uma inverdade na frase acima, não discuto. Gosto não se discute, lamenta. E espero, jamais ter que usar um: "Eu avisei".

 

Nossa Senhora das Asas Aleatórias: viaje no avião embutida.

Nosso Senhor do Céu Azulado: Nunca deixe um piloto entusiasmado.

Santo Espírito Consolador: Dê um drible na morte, por favor.

Amém! Que assim seja!

 

P.S.: Se não voltar, humanidade, criem uma associação contra o uso indevido de aviões com asas, sem movimento. Isso é macumba, só pode!

 

- Meu Deus, Meu Senhor. Ajude-me, por favor. Na escola, no trabalho faculdade, crie aviões, de verdade... (cantem comigo)

 

 

 

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 11/10/2022
Reeditado em 12/10/2022
Código do texto: T7625439
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