Ensaio sobre a catarata

Quando li Ensaio sobre a cegueira, do consagrado escritor português José Saramago, fiquei tentando imaginar como seria sofrer daquela estranha cegueira branca que acometera praticamente a população de uma cidade inteira. A exceção fora uma mulher identificada apenas como a mulher do médico.

Em uma manhã quente e ensolarada peguei um dos meus livros da estante e ao olhar a fotografia do autor na orelha do livro, notei que o retrato, que antes brilhava, estava sem nitidez e meio que envolvido numa espécie de neblina esbranquiçada. Depois disso a coisa só foi degradando e cheguei numa situação em que comecei a ter dificuldades para me locomover sozinho. Naquela altura eu sabia que se existisse realmente uma cegueira branca, eu estava quase lá.

As mais conhecidas e caras imagens para mim estavam se diluindo em ritmo acelerado numa fumaça branca.

No dia 30 de agosto fui submetido a uma cirurgia para a retirada de uma catarata madura no olho esquerdo – único a me proporcionar um pouco de visão.

O procedimento foi indolor e quando com efeito a operação começou, entre a destruição do cristalino opaco e a colocação da lente artificial, devem ter transcorridos uns 25 minutos. “Correu tudo bem, Aldrin” o médico avisou. Com curativo e tampão no olho fui levado cego numa cadeira de rodas até a sala de recuperação. Que dificuldade para me vestir, meu Deus!

Agora esqueçam a cegueira branca. Passei duas horas e meia na mais completa e angustiante escuridão. Durante o tempo em que fiquei cego eu pensava “e se não funcionar? E se eu perder irremediavelmente a visão?” Sofro de malformação congênita nos olhos e por isso os médicos não sabem precisar o modo como minha visão opera.

“Antes era um, agora são dois olhos na escuridão” Tentava mudar o foco, mas esses pensamentos sombrios como meus olhos em trevas continuavam a me atormentar.

Quando finalmente pude retirar o curativo e o tampão, passei pelos dez minutos mais angustiantes da minha vida. “Abra a janela, mãe” ela me informou que a janela já estava aberta. “Então acenda a luz” e aí veio a má notícia “a luz está acesa, Marcelo”.

Foram momentos de desespero até que aos poucos comecei a enxergar minhas mãos, a luz acesa e finalmente os objetos no meu quarto.

As imagens que se formavam eram, no entanto, distorcidas. Computador, cama, tevê, estante, porta. Tudo flutuava e dançava ao meu redor. Depois de um certo tempo de estranhamento lembrei que por causa da grande quantidade de colírio que fora pingado no meu olho esquerdo, a pupila estava muito dilatada, o que certamente causava esse efeito que

felizmente, eu esperava, seria temporário, como realmente o foi.

Estou aqui relatando o que passei a fim de voltar a ler e escrever. Durante um breve período pude sentir na pele, ou melhor, no olho, o que um portador de cegueira experimenta.

Não posso, claro, dizer que foi uma experiência agradável, entretanto, hoje dou mais valor à baixa, mas abençoada visão que possuo.

A vida na Terra é apenas uma escola que traz suas provas e desafios.

Devo o sucesso da minha cirurgia primeiramente a Deus, fonte eterna de amor e bondade, e aos valorosos e competentes membros da equipe responsável pelas cirurgias de catarata e profissionais da saúde do Hospital das Clínicas Campus da USP Ribeirão Preto-SP. Nota de agradecimento do autor.