Muito obrigada, bolsonaro.

Agora que você está de partida, aproveito para dar o meu adeus, mas, antes, quero e preciso te agradecer.

Quando, quatro anos atrás, você despontou como candidato, não perdi o sono porque sabia que você não daria conta de nenhum debate, nenhuma conversa minimamente inteligente e responsável. Nada! Sabia que você não sobreviveria a absolutamente qualquer coisa que sugerisse compromisso, responsabilidade, empatia, trabalho e que tais. Então, jamais imaginaria que você pudesse chegar onde chegou. Então, eu dormia o sono das justas.

Mas você conseguiu chegar lá.

Tristemente eu disse para uma tia após os resultados das eleições de 2018 , cuja família, que nunca havia lido nada de coisa alguma, era sua entusiasta : “tia, o Brasil acabou”. Claro que ela não entendeu. Deixei por isso.

Hoje sei que errei ao dizer que o meu país havia acabado. Tal como fênix ele ressurge das cinzas e volta a alçar voos bonitos, altos e confiantes. Que lindo! Vencemos a barbárie, o desastre, a humilhação, o retrocesso, o amargor da violência sem conta. Agora temos esperança. Penso que essa seja uma das palavras mais profundas da língua portuguesa! Ah!!! Que palavra linda, mansa e carregada de sabedoria e singeleza! Esperança! Mas temos uma caminhada gigantesca a fazer: reconstruir economicamente o país, sem a menor dúvida. Temos urgência em resgatar a nossa dignidade tão dolorosa e escandalosamente perdida. Temos que repensar a sociedade com muita, muita pressa: não adianta ser antirracista. Há de se lutar contundentemente contra o racismo, a misoginia e todas as formas de exclusão. Em termos pessoais temos que pensar na empatia, na solidariedade, no respeito à humanidade, às coisas da natureza, deixando a ruindade e todas as outras formas de perversão que você fez florescer com orgulho fluir , mas jamais nos esquecendo desses tempos de limbo fétido e asqueroso.

Mas eu quero agradecer mesmo a você, bolsonaro, de verdade: quando eu passei a ter a total consciência da dimensão da barbárie que você havia implantado com o auxílio de um eleitorado moralmente deselegante e analfabeto do ponto de vista político, conservador e reacionário (para não dizer: irresponsável) eu resolvi agir exatamente na contramão: se você nos queria ignorantes, estudei mais. Estudei muito e comprei livros mesmo com dinheiro contado. Passei a me importar, a me comprometer mais com a vida, a me solidarizar mais, a partilhar minha comida, a trabalhar voluntariamente com muito empenho mesmo estando muitas vezes cansada e querendo dormir um pouco mais. Sim: eu fiz tudo no mais, no superlativo, durante esses 4 anos. Resolvi burilar minhas atitudes e pensamentos. Optei por dar mais atenção aos excluídos, aos enjeitados e jamais vou me esquecer quando, um dia, colocando uma sobra de comida para um cachorro de rua, percebi uma senhora se aproximando sob o manto de uma humilhação infinita: ela estava prestes a disputar a comida com o animal. Eu jamais vou me esquecer da cena. Fui lá dentro e peguei comida para ela também. E também vou me recusar ao esquecimento daquelas fotos que mostravam várias pessoas disputando ossos para uma futura sopa.

Então eu te agradeço, bolsonaro, mas jamais vou escrever o seu nome em maiúsculo porque você é menor que uma mísera semente de mostarda, mas imenso como pesadelo.

Eu te agradeço imensamente porque você me fez ver que a vida também depende do nosso esforço pessoal para sermos verdadeiramente humanos, que podemos passar pela existência sem envergonhar a Deus. Não o seu deus tão minúsculo, microscópico. É Deusa, bolsonaro. É feminino. O feminino que acolhe, acalenta, ama, perdoa, agasalha, dá de comer sempre e com muito afeto e olhar manso e bom. E eu falo isso justo prá você que tanto odeia o feminino!

Ser mulher é mágico, bolsonaro. É incrivelmente belo. Mesmo numa cultura conservadora que você tanto aplaude nessa sua postura desclassificada, tanto física quanto mental. Ser mulher é ser um pedaço do universo, um misto de céu e terra e a serenidade dos rios que correm em direção ao mar.

Eu sei que você não entendeu. Aliás, entendimento do bom sentir, do respeitar, do abraçar grandes causas humanas não são o seu forte.

Aproveitei nesses 4 anos de horror para me aproximar de pessoas de coração bonito. E hoje aproveito, entre várias outras atividades, para dar aulas de tai chi chuan voluntariamente para pessoas humildes da periferia. Para que elas possam encontrar equilíbrio, paz, harmonia e menos dores físicas. Mas eu também sei que você não sabe o que é isso. Você não entende. Você não pode entender. Você simplesmente não consegue. Você escolheu debochar do sofrimento alheio, fazer arminha com as mãos e dar de ombros para milhares de mortos e as dores emocionais dessas famílias. Como eu, milhões de pessoas resistiram. É. Isso se chama resistência.

Obrigada, bolsonaro. Acabei me tornando uma pessoa melhor graças a você, tamanho era o meu desespero para poder ficar longe, cada dia mais longe, loooonge, looooooonge de você... e fiquei. Orgulhosamente.

Vai pela sombra, bolsonaro. Caso fuja do país, não precisa voltar mais, beleza? Fique à vontade em alguma nefasta ditadura que ainda existe por aí. Alguma coisa você há de aprender. Pelo menos a não fazer arminha na terra dos outros. Mas vá. Pode ir.

E mais: o que eu aprendi nesses anos amargos eu nunca vou esquecer: temos que ser bons, cordatos, firmes na fé, atentos aos nossos irmãos e irmãs, disponíveis para o trabalho solidário e responsável, ter ombros largos para darmos espaço para que pessoas em sofrimento possam colocar suas cabeças, despejar suas lágrimas nos momentos difíceis. Aprendi que precisamos ouvir mais, falar menos, não entrar em conversas odientas, abandonar ambientes que falam de rancor com naturalidade. Temos que ser bons. A vida passa muito rápido, bolsonaro. Não há tempo a perder com as suas sandices e ações diabólicas.

Simples assim.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 31/10/2022
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