DIÁRIO DE UMA PANDEMIA (Dia 54; Dia 55; Dia 56)

Dia 54

20 de outubro de 2026

Hoje houve manifestações populares por todo o Brasil.

E em todas o grito era o mesmo: fora presidente e respeito à saúde pública.

Foi bom ver que a massa está viva!

Está fermentando!?

Já andava com a sensação de que, realmente, tudo estava perdido no país do carnaval.

Mas não. Ainda dá pra manobrar a massa. E a massa começa a ganhar as ruas.

E quando a massa vai pra rua gritar: “Fora presidente!” é porque ela ainda está cheia de fermento.

É verdade que a massa com fermento, cresce!

Eu estou fazendo torcida pra que ela cresça.

O único problema é que a massa que cresce pode ser amassada!

Pode ser colocada numa forma!

E pode virar uma massa conformada!

Mas, por ora, mesmo com todas as restrições contra as aglomerações, a massa se aglomerou nas praças e ruas e, ao gritos, marchou.

Aliás, já fazem alguns dias que isso vem se repetindo.

Começou com barulho nas janelas dos prédios de apartamentos.

Repercutiu em buzinaços.

E agora a massa ganhou a rua.

E agora tem internet pra ajudar…

Não é como no tempo das “diretas já!”, quando tínhamos que combinar tudo por telefone.

Nem como no tempo dos “caras pintadas”, convocados pelo presidente do confisco das poupanças; aquele que convocou os jovens a irem para as ruas com as cores da bandeira.

Naquela convocação, os jovens e todo o povo foi pra rua… mas vestidos de preto.

Naquela época tínhamos que combinar tudo por telefone.

Hoje, com a rede de computadores, tudo é mais fácil e ágil para a mobilização!

As mensagens voam, como as receitas e modelos de coquetel molotov.

O caldeirão está na chapa quente!

Logo vai ferver!

Lembrei do refrão de uma canção que minha esposa fez, anos atrás:

“e agora o que fazer? E agora o que fazer?

Chutar o balde ou por o leite pra ferver?”

É fácil manobrar a massa!

É fácil colocar a massa na forma!

É fácil conformar a massa!

Dia 55

22 de outubro de 2026

Hoje à tarde, voltei do mercado analisando os comportamentos do povo.

É verdade que quase ninguém mais está levando a sério as orientações sobre a necessidade de distanciamento entre as pessoas.

Mas, independente disso e do jeito que as coisas estão, os números de contaminados logo chegarão a patamares alarmantes e irrefreáveis.

Entretanto, esse é um dos objetivos do poder central, uma vez que seu compromisso é com os ajustes das contas públicas e não com a vida dos cidadãos.

Talvez tenha sido por isso que quando foi questionado sobre o número de mortes ele respondeu que não se interessa, pois não é dono de funerária!

E se o objetivo é aliviar as contas da previdência, dá para entender que aumentar o número de mortes acaba sendo a grande torcida dos que gerenciam a economia nacional.

Eles visam o lucro das grandes corporações, notadamente dos bancos que, nas últimas décadas, têm sido as instituições que mais lucraram e continuam acumulando lucros, às custas dos pobres do país.

Por outro lado, também é verdade que as pessoas não se cuidam. E, o que é pior, dizem que o governo não mantém um sistema de saúde adequado.

É verdade que os governantes são negligentes em relação ao povo.

É verdade que muito dinheiro público é desviado para suas contas pessoais.

Mas também é verdade que as pessoas teriam que colaborar.

Neste caso evitando situações favoráveis à contaminação e, ao mesmo tempo cobrando ações efetivas de proteção aos interesses do povo.

Mas, para os donos do poder, aqueles que amassam a massa, quanto pior, melhor.

Isso só porque em situações de tragédias e de catástrofes – e a pandemia é uma catastrófica tragédia – as autoridades se dão o direito de fazer despesas sem se preocupar com o estouro do caixa. Então, quanto pior, melhor… e com isso vultosas quantias são aplicadas em medicamentos e equipamentos e pessoal… com preços superfaturados… e os malandros do poder, mais uma vez saem no lucro…

A dor do povo é lucro para os bandidos que estão no poder.

Realmente o capitalismo é uma praga, capitaliza tudo: até a morte!

Dia 56

25 de outubro de 2026

Passei a tarde regando minhas plantinhas, nos fundos do meu quintal.

É bom ver a natureza crescendo a partir de nossas mãos.

A gente se sente um pequeno deus, dentro de nossos domínios.

É bom dizer que esse gosto, de cuidar de plantas, desenvolvi graças a minha vizinha. Aquela jovem senhora me ensinou vários truques de jardinagem.

Enquanto mergulhava minhas mãos na terra, ouvia o tilintar das mensagens chegando ao meu celular. Imaginava serem da vizinha. Afinal, há tanto tempo que não nos vemos, só ela pra enviar tantas mensagens seguidas.

Mas me mantive ocupado, para não me ocupar com a saudade.

Imagina, pareço adolescente: com saudade da vizinha… e de tudo que ela me oferece!

Já estava escurecendo quando entrei para meu banho.

Mas antes lancei os olhos pelas conversas do aplicativo de mensagens.

Só então percebi que meu celular havia recebido algumas mensagens de um número desconhecido.

Era uma mensagem num inglês mal escrito.

Depois do banho, sentado na cadeira de balanço, na frente da casa, fui ler as mensagens.

Uma, num inglês mal escrito, veio da China.

Mas consegui entender.

Era um dos principais assistentes do meu amigo, da universidade de Pequim. Aquele que havia sido assassinado já há alguns dias.

Dava detalhes da situação e da morte do meu amigo.

Tudo indicava que havia sido morto por dois norte-americanos que durante vários dias tiveram conversas reservadas com o professor.