ABAIXO AS PALAVRAS

Palavras são dissimuladas, nunca expressam o que de fato são. Fazem uso de suas várias artimanhas pra nos iludir, ludibriar, fazer de trouxa. Quando supomos que entendemos o que querem dizer, caímos do cavalo. Palavras deveriam ser chicoteadas em praça pública, destituídas de todo poder, esmigalhadas até virarem fuligem. Mas não. Quando supomos que estão acabadas, destruídas, espezinhadas, lá vêm elas todas cheias de si, donas do ar, embrenhando numa vitoriosa derrocada. Daí constatamos o quanto desempenharam o papel de farsantes, fazendo-nos de bobos, de moleques, do que bem quiseram. Palavras não merecem crédito nem carinho. Só servem pra sugar o que tivermos de alma, de sonho, do que for. Tenho medo e nojo de muitas delas, que guardo trancafiadas na masmorra da inspiração desde sempre. Quando as invoco, se fazem passar por incautas, por sedutoras até. Mas logo escorre delas um gosto destrambelhado, soturno, feito pra inebriar os poros e sacudir cada fiapo do meu chão. Nessas horas encho a cara e quero até morrer pra suportar a dor, e desdém, embebidos no suor que delas escorre, cruel e suavemente. Um suor arretado, desmedido, entediado até. Mas sou teimoso pra não desistir de vez diante das suas sombras desmioladas e rampeiras, feito moscas de cabaré. Palavras descabelam os fiapos fétidos da solidão. Fazem rodopiar inclusive os galopes desatinados da paixão. fazem tilintar tombos esquecidos e ferozes, feito ferida mal curada. Desarrumam o nosso faro, chutam longe cada fiapo do paladar, desnudam sem cerimônia o que temos de mais simbólico, de mais imaculado. Cuidado com elas, especialmente quando compõem um texto como que esse daqui, aparentemente insano e sem pé nem cabeça. Se leu até esse ponto, babaus: caiu na armadilha e agora será feito refém delas pra sempre. Não adianta espernear.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 05/11/2022
Reeditado em 05/11/2022
Código do texto: T7643053
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