Paragone pessoal

Houve durante o renascimento italiano uma polêmica no mundo artístico para saber qual das artes era a mais superior esteticamente, um fenômeno denominado Paragone. Tratados foram feitos por pintores, escultores, músicos e representantes das mais belas artes, cada qual defendendo sua arte como a mais divina entre os meios que o ser humano usa para, através do intelecto, dar vazão aos seus mais arrebatados sentimentos, reprimidos ou não. O fato de os artistas terem que defender os qualificativos da sua obra através da escrita e não por meio da criação artística em si, como é o critério mais razoável, a meu ver, já deixa margens para que uma pessoa como eu, isto é, tendenciosa em relação a este assunto, faça da literatura a mais magnífica de todas as artes existentes.

Esta característica da literatura que faz com que a crítica à obra seja feita com os mesmos artifícios do qual a obra é feita, é um grande motivo para defendê-la como a mais sublime. Pintar um quadro como crítica à pintura ou modelar a pedra como uma crítica a escultura nunca poderá ter uma eficácia tão plena como a força que a escrita tem para estes fins.

Eu me considero um amante das artes. Assim como Nietzsche, também sou da opinião de que precisamos da arte para não enlouquecer perante a vida. Em uma Paragone pessoal, eu escolheria a pintura como a terceira no ranking das artes, deixando a disputa pela primeira posição entre a música e a literatura, sendo esta última considerada a mais elevada devido a um critério comparativo de contemplação e criação como peso de medida. No que se refere ao prazer que essas duas artes dão ao meu espírito, criar de forma artística qualquer uma das duas artes me dá maior regozijo do que contemplá-las. Assim, em uma escala crescente de acordo com o júbilo sentido ante esses meios de lidar com as duas respectivas artes, criar música através de qualquer instrumento musical está divinamente acima do que ler qualquer grande obra literária universal, mas, criar uma obra literária por meio da escrita como um poema, um conto, um romance ou meramente uma crônica como esta, é um prazer que está acima da criação musical.

Lamentável é a situação que nos encontramos nos tempos atuais, na chamada Pós-modernidade, onde música e literatura, que sempre andaram juntas desde tempos muito antigos da sociedade humana, até inseparáveis em determinados momentos, estejam sendo tratadas hoje em dia com total descaso. Independentemente de classe social, jovens leitores de livros estão quase em extinção, sendo impossível, então, falar sobre criação literária, já que sem uma causa não se pode ter um efeito. E sobre música, nem precisamos perder tempo falando ou escrevendo, basta ver o que está no topo das listas de mais ouvidas nas plataformas de música digitais ou então é só colocar o pé pra fora de casa, tanto no bairro pobre como no rico e ver por você mesmo o gosto musical do povo.

De certa forma, me sinto um agraciado por Deus estando na condição de apreciar esses dois néctares enviados aos seres humanos para fazer com que suas vidas sejam vividas de uma maneira mais suportável. Sendo assim, na condição na qual me encontro neste exato momento, prestes a terminar este texto, me sinto como se eu estivesse em um contato direto com o divino, já que estou criando arte através da forma mais sublime de todas e escutando Beethoven, que é a prova, através da música, que Deus existe.

Igor Grillo
Enviado por Igor Grillo em 06/11/2022
Reeditado em 07/11/2022
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