"O PRÍNCIPE" E O NOSSO CARÁTER

Na última semana de outubro de 2022 foi impressionante a quantidade de lives e fake news feitas ou disparadas por gente que queria me convencer a votar em seus candidatos. Já nem assistia ou abria as mensagens grandes, pois presumia que partiam de lugares escusos para que fossem disseminadas por robores e estes auxiliados por quem nunca se importa em investigar a veracidade do que está multiplicando. Quando, contudo, eu me defrontava com imagens mostrando coisas ilógicas sobre os candidatos a presidente do Brasil e a governador do ES, eu colocava várias pulgas atrás das orelhas e me lembrava de Nicolau Maquiavel.

Para quem não sabe, eu informo que ele nasceu em Florença, em 03 de maio de 1469 e se notabilizou não apenas por ser historiador, poeta, diplomata e músico, mas, sobretudo, por ter escrito um livro que já mereceu interpretações em mais de três mil outros, elogiando ou enaltecendo “O Príncipe”. A história dessa obra tem de levar em consideração não apenas o contexto político da época, como também a situação em que o autor se encontrava, e é isso o que eu exponho se seguir:

O livro foi escrito em 1513, portanto durante o Renascimento, numa época em que o mapa da Itália parecia uma “colcha de retalhos” (Ducado de Milão, República de Veneza, República de Florença, Reino de Nápoles, Estados Pontifícios da Igreja Católica). Em outras palavras, aquela região era formada por vários pequenos estados, cujos governantes queriam “dar pernadas” uns nos outros, revezando-se em intrigas diplomáticas e disputas por riquezas.

Em 1512, Maquiavel, que tinha sido II chanceler da república durante o governo do papa Alexandre VI, se deu mal, pois Lorenzo de Médicis tomou o poder, 18 anos após sua família ter sido expulsa de Florença por Savanarola, (que por sua vez, fora deposto e morto pelo referido Papa) e, em vez de ter ordenado a morte de seu desafeto ou de mandar lhe cortar os bagos, condenou-o a ficar quietinho, exilado em sua propriedade, em San Caciano.

Tristinho, isolado, sem ter nada o que fazer, eu acho que Maquiavel resolveu “ficar bem na fita” com os governantes, pois em poucos dias ele produziu e dedicou exatamente ao seu “algoz”, Lorenzo de Médicis, uma espécie de manual, com 26 capítulos, a que intitulou: “O Príncipe”. Nele Nicolau Maquiavel sugere o que Lorenzo deveria fazer para unificar os principados e se manter no poder.

O livro revela um autor culto, conhecedor de diversos fatos históricos, um admirador de César Bórgia, filho do Papa Alexandre VI (houve um tempo em que eles ignoravam o celibato e faziam coisas horrorosas). Quem foi o sujeito admirado por Maquiavel? Um cara ambicioso, que tinha enorme sede de poder e era capaz de fazer muitas atrocidades para alcançar os seus intuitos. Certa vez ele convidou seus inimigos para uma festa em seu palácio. Quando os “bestas” chegaram, ele os aprisionou e assassinou todos eles. Também há historiadores que juram que César era amante de própria irmã, Lucrécia Bórgia.

Muito sinteticamente, chegamos ao pano de fundo desse livrinho de 113 páginas, cujo capítulo XVIII é intitulado: “De que modo os príncipes devem manter a fé da palavra dada”. Ali lê-se: “[...] UM SENHOR PRUDENTE NÃO PODE NEM DEVE GUARDAR SUA PALAVRA, QUANDO ISSO SEJA PREJUDICIAL AOS SEUS INTERESSES E QUANDO DESAPARECERAM AS CAUSAS QUE O LEVARAM A EMPENHÁ-LA. Se todos os homens fossem bons, este preceito seria mau; mas, porque são maus e não observariam a sua fé a teu respeito, não há razão para que a cumpras para com eles.”. A seguir, Maquiavel dá o seguinte conselho: “Mas É NECESSÁRIO SABER BEM DISFARÇAR ESTA QUALIDADE E SER GRANDE SIMULADOR E DISSIMULADOR: TÃO SIMPLES SÃO OS HOMENS E DE TAL FORMA CEDEM ÀS NECESSIDADES PRESENTES, QUE AQUELE QUE ENGANA SEMPRE ENCONTRARÁ QUEM SE DEIXE ENGANAR.”

Confio na sua capacidade de interpretação, meu leitor, mas ressalto os trechos em letras maiúsculas para que perceba o quanto é grave e verdadeiro o que Maquiavel ali afirma, desde 1513. Fica fácil entender por que determinadas atitudes políticas foram tomadas este ano, por que, de repente, as propagandas políticas assumiram um tom mais educado...

Efetivamente, de nada adiantará ler as informações expostas nesta crônica, se o leitor não conseguir “juntar lé com cré”, não depreender que os conselhos maquiavélicos em “O Príncipe” só têm servido para estatizar as diferenças entre ricos e pobres, entre quem sabe pensar autonomamente e aquele que, no fundo e no raso, é mal-informado, é mal-intencionado e/ou é mau caráter.

Talvez as verdades subjacentes aos conselhos contidos em “O Príncipe” só apareçam claramente aos nossos olhos, quando nós aprendermos a discernir o que são: verdade, amor, paz, partilha, fraternidade, honestidade, respeito e humanismo. Mas como internalizar, prezar e viver esses princípios, se nem sempre eles foram apresentados a nós pelas pessoas certas, na idade propícia? Como identificar os responsáveis pelos comportamentos que só infelicitam o mundo? Como interromper as espirais de maus exemplos que originam os péssimos “príncipes”?

As respostas corretas passam por três ingredientes muito importantes, que exigem disposição para serem buscados, encontrados e internalizados: INFORMAÇÃO, RACIOCÍNIO e VERDADE. Enquanto esses três ficam preguiçosa e burramente relegados por muita gente, os maus “príncipes” se multiplicam, sem que percebamos que NÓS estamos “nus” aos olhos de quem nos observa atentamente, pois nossas escolhas falam por nós, desnudam nosso caráter e revelam quem realmente somos.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 10/11/2022
Código do texto: T7647086
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