Pelas ruas de Curaçá

Há sempre uma placa, muitas já enferrujadas e desgastadas pelas intempéries da nossa existência, exposta e esquecida no pináculo, geralmente da primeira da casa de cada logradouro, indicando que ali tem um nome, quase sempre um laurel a um vulto ilustre da/para cidade.

São ruas, avenidas, praças e travessas que atravessam o tempo com o seu corpo e sua alma encantada. São lugares de desencontros e encontros improváveis, repletos de riqueza, visões de mundo, modos de vida e de muita história.

As ruas em dias de feira e de festa, dos homens e mulheres que sobem e descem suas ladeiras, a praça dos malandros, dos bêbados e dos loucos, as avenidas das crianças que brincam de bola, que jogam gude e soltam pipas e ainda dividem espaço com os automóveis. Os becos ainda sem preitos e insígnias aos "insignificantes" e "desimportantes" que por lá passaram e passarão, as vielas e ruelas ainda sem nomes, mas com seus cantos e contos, com suas porandubas, suas lendas e suas próprias sendas.

As ruas enfeitadas em tempos de São João e Copa do Mundo, lavadas pelo folguedo dos velhos entrudos, matizadas pelo colorido de suas tradições e desnudadas e transformadas pelo decurso da vida e pelo discurso do progresso.

As ruas também atormentam o poder em tempos da política fervorosa e pavorosa, são cenários de sonhos e pesadelos, são testemunhas das lutas, das desilusões, da festa impedida e combatida pela fina flor da sociedade, mergulhada na demagogia, as ruas dos tambores calados e das bandeiras recolhidas.

As ruas nunca perdem a sua magia, elas sempre serão espaços de devoção e do fascínio da vida, da simplicidade das coisas e das pessoas que as envolvem e que são envolvidas nas suas memórias. As ruas são como arquivos, uma biblioteca viva. Um bom flâneur observaria tudo isso até mesmo no mais trivial dos olhares.

É, tenho que concordar com João do Rio, pois, realmente, "as ruas pensam, têm ideias, filosofias e religião. Como tal, nascem, crescem, mudam de caráter. E, eventualmente, morrem".

Lugori

(um desimportante, um andante e, quem dera, um "flâneur")

Texto escrito com a inspiração do historiador Luiz A. Simas e de seu livro sobre as ruas do Rio