UMA QUESTÃO DE ATITUDE

Lembro-me que já tinha completado 16 anos de idade, quando comecei a planejar minha saída de casa para tentar a vida na capital paulista, já que, naquela época, ainda década de 70, as oportunidades de trabalho e estudo eram muito escassas na região onde morava, e sonhava algo bom para mim, mesmo sabedor do sacrifício a que iria me expor.

Era comum naquele tempo, em todo inicio de ano, uma leva de jovens deixar a região rumo às grandes cidades em busca de dias melhores, por absoluta falta de opção onde viviam.

Quando possível, buscava conversar com os amigos que já estavam em São Paulo – Capital, para obter informações sobre a vida por aqui, as dificuldades, transportes, etc. Lia toda semana o jornal Estadão, de domingo, que tomava emprestado da prefeitura local, e assim me municiava de dados sobre vida na cidade grande, empregos oferecidos e tudo o mais que colaborasse para a minha tomada de decisão.

O tempo foi passando, cheguei aos 18 anos e, em janeiro do ano seguinte achei que era hora de levantar vôo, mas tinha ainda que resolver um grande problema, o financeiro, porque sequer o dinheiro da passagem de segunda classe, de trem, eu tinha, e isso para uma viagem que durava catorze horas e ainda sentado em banco de madeira.

Achava que meu pai, em algum momento iria me ajudar neste quesito, mas por se tratar de um homem comedido, que não se metia em dívida por nada, mas também sem disponibilidade financeira, por atravessar um momento ruim, me procurou numa tarde, para informar que sabia de meu desejo de deixar a cidade, mas que infelizmente não poderia me ajudar financeiramente, e pude notar um ar de tristeza e decepção nele, ao admitir isto, por não poder ajudar um filho.

Como desistir àquela altura, não estava no meu script, sabia que tinha que tomar uma atitude forte, de me virar para conseguir o dinheiro para a passagem, o que consegui com um irmão, juntando mais alguns trocados aqui e ali, a pouca roupa que tinha e parti, num “seja lá o que Deus quiser”, deixando para trás a família, amigos e uma vida sossegada que levava num vilarejo pacato, lá no interior do estado.

Como já tinha montado um esquema de apoio com alguns amigos, sabia que durante alguns dias, comida, moradia na faixa e até empréstimo de roupa, estariam garantidos, enquanto procurava um emprego. Saia de casa pela manhã, rumo ao centro de São Paulo, e entrava em tudo quanto é banco que encontrava pela frente, que naquela época existiam muitos, para saber onde ficava o RH, para "preencher uma ficha" e na hora do almoço comia um sanduiche de mortadela, que era mais barato, para matar a fome.

Em menos de um mês já estava empregado no banco Bradesco, agradeci aos amigos e fui morar com uma família amiga, que havia morado em minha cidade, mas tudo acertado que só pagaria a mensalidade da estadia, quando recebesse meu primeiro salário.

Para morar na casa, tive que comprar uma cama, mas sem carteira assinada ainda, precisei pedir favor a um amigo que se dispusesse a “emprestar o nome" para a aquisição, e assim, de cara ganhei um carnê com 24 parcelas para pagar a compra de uma cama de solteiro.

Para estudar em uma faculdade, tive que aguardar o meio daquele ano, quando passei no vestibular e o sufoco financeiro continuava, porque dava na medida, mais para faltar do que sobrar, mas não tinha jeito, a decisão já havia sido tomada e tinha que seguir adiante, sem contar a saudade que sentia da família e dos amigos, que doía forte.

Esta reflexão me levou a voltar no tempo e ver quantas atitudes tive que tomar, ainda jovem, para sair de uma zona de conforto em minha pequena cidade ao lado da família e amigos, onde levava uma vida tranquila, mas sem futuro, e enfrentar a dura vida na cidade grande.

Com certeza, as atitudes que tomei muito serviram para me fortalecer, ganhar confiança e me amadurecer, já que não pensava em voltar atrás em minha decisão, e tinha que resolver cada obstáculo que aparecia à minha frente.

Sei que levei tudo isto para a minha vida pessoal e profissional, tomando atitudes que me pareciam certas, e que me proporcionaram ter cargos bons em dois dos maiores bancos do país, e isto durou cerca de trinta e dois anos.

Já pelo lado pessoal, sempre procurei levar uma vida tipo “pé no chão”, com atitudes seguras e comedidas, sempre com o intuito de dar o melhor possível para minha família, pensando no futuro mas sem esquecer o tamanho do sacrifício a que tive que me submeter para isso, mas de nada me arrependo.

Hoje, já com a vida resolvida, organizada e ainda trabalhando, mas me preparando para viver a velhice, penso muito antes de fazer um gasto, porque guardo na minha memória, o esforço e o sofrimento que passei, economizando centavos para poder me alimentar, vestir e ainda cursar uma faculdade.

...

Segue a vida...!

Novembro de 2022

ZAINE JOSÉ
Enviado por ZAINE JOSÉ em 20/11/2022
Reeditado em 08/06/2024
Código do texto: T7654351
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