ANAHI

Sentimos, simplesmente sentimos e muitas vezes não podemos explicar. As coisas aqui por dentro são confusas, indecifráveis, pois somos uma célula apenas do grande mistério que ronda, do plasma de incógnitas que cobre todo o existir. E como uma fruta inacessível lá no alto do galho a explicação para muitas sensações não é alcançada. E ficamos sem poder provar o delicioso sabor da verdade. Ela Foge tal qual areia fina pelos vãos dos dedos.

Como diz aquele povo “lá das Minas Gerais, no sabpassad”, eu estava ouvindo músicas pelo youtube e me encantei com uma. É fato conhecido que sou admirador de música sertaneja, caipira e raiz e uso hoje os recursos tecnológicos para espelhar o meu smartphone a uma caixa de som, amplificando assim o prazer da sonoridade dos belos duetos e das deliciosas melodias do passado. Coisas de quem está na flor da idosidade! E por acaso tocou a música Anahí. E foi exatamente aí que tudo começou. A música é lindíssima, uma versão de uma música paraguaia, vinda de uma época em que as versões do espanhol (castellano) para o português eram comuns no Brasil. Uma enxurrada de guarânias, rancheiras, polcas, boleros e diversos ritmos latinos invadiram o nosso país. Músicas bem duetadas, com um tom de paixão e melancolia na voz. Para embalar os corações apaixonados e fazer o caboclo gritar: desce mais uma. “Eita que é paixão pra mais de metro”. Mas além das apaixonadas tinham as hsitórias emocionantes e ternas. Coisas que duplas como Castanha e Inhana souberam fazer muito bem.

Admirei a canção. Viajei na melodia. A doçura e a sonoridade dos harpejos, o ecoo pelos ares das notas daquele dueto tão perfeito, me conduziram pelos caminhos da emoção enquanto ouvia!

Tratava-se de uma belíssima lenda. Uma história indígena, sabe-se lá quantos séculos girou até chegar a nós. Conta a historia de uma jovem guerreira que vai defender sua tribo, é aprisionada e levada até a fogueira, quando as chamas a estão queimando a jovem se transforma numa linda flor. Os inimigos fogem assustados e os pássaros cantam comemorando o milagre da flor , da flor de Anahi.

Não sei se foi por causa da belíssima melodia, do doce e suave dueto, da beleza da lenda, ou de algo mais, mas viajei para outras eras naquele momento. A canção parecia despertar em mim toda uma coisa brasileira, latina, tupi guarani, sei lá... Parece que foi lá no amago, na parte mais profunda do meu ser e arrancou de lá a emoção escondida, perdida nos mistérios da existência. Tenho a impressão de que aquilo transcendeu, ultrapassou minha vida e foi buscar coisas de outras eras antes de mim. Talvez tenha visitado meu avô ou bisavô. Sei não. Mas algo além de humano e além da minha época foi despertado aqui dentro durante aquela canção. A ancestralidade, a miscigenação, os valores escondidos passados de pai para filho... A poesia acorrentada, a beleza envergonhada, ou talvez não seja nada disso, somente a imaginação criando coisas. Mas foi um êxtase, um momento divino e poderia usar palavras e mais palavras, mas as palavras são poucas, não alcançam a emoção, não alcançam esse lado escondido e misterioso que existe dentro da gente. Senti, e foi algo incrível.

Posso cogitar várias possibilidades aqui e buscar várias respostas. Fiz um curso de parapsicologia com o grande padre Quevedo (tratando de assuntos que ecxistem) e ele defendia a ideia de que temos uma memória genética e podemos carregar a memória das sensações vividas por nossos antepassados. Quem sabe não foi isso que aconteceu? Vai ver despertei uma memoria de algum antepassado meu que viveu numa tribo ou que esteve em volta de uma fogueira, numa noite clara de inverno, sob os raios de um belo luar, ouvindo histórias belíssimas como as de Anahi. .. Minha avó pela sua aparência poderia até ser descendente de índios. Vai ver até algum ancestral meu foi índio também e acreditava na lenda como verdade incontestável. Viva a glândula pineal que segundo se diz é aquela responsável pela espiritualidade, transcendência e coisas do gênero. Vai ver foi apenas ela, a química do corpo me enganando... Vai ver... quem sabe... talvez... cogitações, possiblidades ...mistérios...

As lendas fazem parte dessa estrada que transito, que todos nós escritores, poetas gostamos tanto de transitar. A estrada dos sonhos, do que é belo e mágico. E que importa se não é verdade cientifica e comprovada? É uma verdade do sentir, é o que acalenta nossa alma e faz a vida ser muito mais bonita.

Foi um momento de prazer e beleza que quero se repita muitas vezes. Extraindo aí dos milagres da eletrônica, da modernidade dos inventos humanos os tesouros de eras bem distantes.

A emoção, não sei explicar, mas quero sempre sentir em minha vida o perfume dessa flor e desse mundo que estava escondido dentro de mim e que Anahí veio perfumar.

Que a flor de Anahi exale o perfume sobre a gente, o perfume da beleza, da sensibilidade e da magia. E que venha se contrapôr a essa realidade dura, rotineira, exaurida de beleza, que suas pétalas coloram um pouco esse mundo cartesiano, lógico, murcho e sem graça, Pois é a função da arte, da poesia, das lendas e coisas assim povoar o mundo de lindas inutilidade como dizia Manoel de Barros. Porque a vida é pequena, a vida é pouca, não basta e precisa dessa outra realidade. Desse mundo além.

Que nunca deixemos silenciar dentro de nós esses divinos acordes, harpeados pelas mãos da imaginação e da sensibilidade.

Anahiiii