83- CRONICANDO: DE CORAÇÃO PARA CORAÇÃO COM RUBEM BRAGA

Amigo leitor, por favor, não se espante. O estou prevenindo porque uma vez uma professora minha se espantou e teve que beber um copo d'água para se recompor. Isso só porque eu disse para ela que lia uns 30 livros por ano, medíocre, eu sei. Mas professora Fátima se espantou sim. Quantos estou lendo agora? Estou com 2 no meu colo e 4 em formato digital.

Estava mexendo em umas caixas e o que encontro? Rubem Braga. Cronista de primeira linha. E todos os adjetivos nao seriam capazes de definir a sua capacidade de observar o mundo e traduzir em palavras.

Estou logo com o livro "O conde e o passarinho", seu livro inaugural, a primeira crônica data de 1933, ano de nascimento do meu pai. Já rolou um sentimento só por causa disso, e o título da crônica? "Como se fora um coração postiço". Me pegou de novo. Pois meu pai morreu devido problemas cardíacos. Perdi meu primogênito para a loteria genética devido um coração pequeno e, por causa da covid, estou com o coração pegando no tranco, quase parando, já me levando a internação duas vezes, já me conhecem: de novo professor George? Até ouvi um cochicho assim: "Trata bem ele, mulher. Vai que ele é professor do teu filho ano que vem"

Na crônica ele narra o fato de uma criança ter nascido com o coração para fora da caixa torácica, totalmente exposto. Imagina esse quadro clínico em 1933. Ele não vai entrar em detalhes clínicos que não interessam ao leitor. Mas ele narra a curta vida da criancinha que vive apenas 4 horas.

A crônica é uma aula. Ele observa o cotidiano. A vida dos boêmios que saem das casas onde passaram a noite entregues ao álcool e braços, se encontrando com os trabalhadores que saem cedo para baterem os seus pontos. E a pobre criança, a cada hora, ver a vida lentamente saindo de si. Pobrezinho, sabe nem que está morrendo. Ou feliz criança do coração para o lado de fora, que o médico compara a um coração postiço, não vai se macular com este mundo hostil.

Da para ver a indignação do cronista com o médico ao se referir assim ao pobre coração daquela pobre criança. Talvez, entre tantos, aquele fosse um dos poucos corações de verdade que o médico veria na vida. Rubens até reforça dizendo que tem pessoas com paletós, camisas, coletes, carnes e ossos, mas no lugar do coração está só o buraco vazio.

O coração postiço é a primeira crônica do livro e já me fisgou.

George Itaporanga
Enviado por George Itaporanga em 30/11/2022
Reeditado em 30/11/2022
Código do texto: T7661568
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