O DECOTE ABUSADO DE CIBELLE

A voz dela revirou minha alma do avesso. Senti até certo enjoo e leve tremor nas juntas inferiores, mas logo passou. Aquela gaveta emperrara justo na hora do juiz dar a sentença. Foi puro azar ou mão do destino, vai saber, A chuva começou leve, despretensiosa, e foi pouco a pouco ficando espessa e cruel, desolando chão e meio mundo. - Vem jantar, criançada, lavem as mãos e corram pra mesa, já e já!... Tinha muito a fazer ainda, carpir aquele mato parecia uma maldição sem fim. Mas o vento não desistia de uivar e até rosnar para todo canto. O filhote de hiena já sinalizava o desmame, virando o rosto para aquela suculenta teta que lhe tanto serviu até se fartar. Chegaram Pierre e Nádia no barco das seis. Ela engordou bem mais do que na outra temporada, mas o rosto corado ainda chamava atenção pela lindeza. Subiram os tantos degraus até a portaria principal. Visitar Verona naquele versão foi um achado e, por certo, ter tido aquela conversa com Peppo aliviou o clima pesado que se disseminara por lá. A multa foi paga em suadas prestações até não restar mais nenhum fiapo em aberto. Quando decretaram o fim das aulas, todos refastelaram aliviados e, até quem sabe, abençoados por cada grão de fé que lhes fora atribuído, com tanta gente morrendo de peste e desdém. Pedimos a conta e vimos que cobraram um couvert a mais. Os mosquitos não davam sossego, de onde vem essa praga????. Os policiais se postaram à frente do corpo, criando uma barreira que impedia de vê-lo todo, só partes sobressaídas e nada mais. Fomos jantar na Bodega do Genaro, que dessa vez carregou demais no sal e pimenta. Possivelmente o chef estava sob efeito da droga ou não passava de má vontade, vai saber. Ela entrou na igreja de braço dado com o pai, que ofuscava de tão feliz. Vieram as certezas depois de tamanha inquietação. O carrasco se postou impávido no cadafalso. A cena era grotesca, mas necessária. As rachaduras na parede sinalizavam que a umidade progredira. O carteiro trouxe as correspondências do dia que Cibelle deixou na minha mesa, como de costume, Ah!... Cibele... O decote abusado me tirava do sério, endossado pelo perfume de jasmim, de quinta categoria, por sinal. Já me sentia cansado daquele nhenhenhém. Fui até o armário da sala e peguei a garrafinha de vodca russa que ganhei do Comendador. Depois de alguns goles profundos e amotinados, corri para a sacada principal e vi tudo - tintim por tintim. Aquele gibi velho e rasgado do Thor ainda serviu para alguma coisa. Então fui dormir, recostado naquela mureta, para acordar logo mais ou não acordar nunca mais - vai saber. Vai saber.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 03/12/2022
Reeditado em 03/12/2022
Código do texto: T7663941
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