ENGRAXATES

Há tempos, na av. Guararapes, principal artéria do bairro de Santo Antônio no centro do Recife/PE, a vida dos habitantes mantinha-se agitada até altas horas da noite, porque além dos terminais ou paradas das diversas linhas do transporte coletivo, haviam agências de bancos, dos institutos de previdência antes da unificação, escritórios comerciais, lojas de empresas aéreas, farmácias, barbearia, restaurantes e, principalmente, o Bar Savoy que, com o declínio do Café Lafayette, (esquina da Rua do Imperador com a 1º de Março), tornou-se o ponto de encontro dos poetas, intelectuais, jornalistas e demais fofoqueiros desocupados. O Savoy era o local onde se discutiam livros, cinema, teatro, exposições, os rumos da nação e as peripécias dos políticos e seus comparsas.

Uma característica marcante dessa avenida é que, nos dois lados, há corredores cobertos pelo piso do primeiro andar das construções que possuem o mesmo número de andares, loja e sobreloja.

As calçadas largas são limitadas pelas colunas sobre o meio-fio e as entradas dos edifícios, tal como ocorre em Veneza/Itália, para que o aumento da área útil dos edifícios, a partir daquela altura, fique de acordo com a legislação urbana quanto ao espaço disponível aos pedestres.

Alguns acreditam que os arquitetos brasileiros se inspiraram nos italianos de Veneza, afinal, Recife é apelidada de Veneza Brasileira e isso seria um ingrediente a mais na comparação entre as duas cidades, vez que na Praça de S. Marcos, há corredores semelhantes.

Além do comércio regular, havia biscateiros, vendedores ambulantes de quinquilharias, de flores e velas para os frequentadores das igrejas do entorno, de bilhetes de loteria, gravatas e os engraxates com as suas cadeiras altas sobre rodízios.

O senhor Herculano Medeiros do Vale era um desses engraxates. Tinha participado na segunda guerra, atingiu o posto de subtenente e com orgulho patriótico, ostentava na lapela da camisa de manga comprida o distintivo da Cobra Fumando. Era torcedor fanático do Santa Cruz Futebol Clube e a sua cadeira se destacava das demais por ter as cores do time do coração. Disponibilizava aos clientes a edição do dia do Diário de Pernambuco e do Jornal do Commercio para serem lidos durante o atendimento. Também exemplares antigos da revista O Cruzeiro.

Eram muitos esses exímios profissionais dedicados, com freguesia certa, porque naquele tempo, a honra e os sapatos dos homens deviam estar sempre limpos e brilhantes.

O passar dos anos levou tudo isso consigo e hoje as calçadas da Avenida Guararapes fedem a sanitário público malcuidado uma vez que foram transformadas em albergue para os miseráveis de rua, em parte, vítimas das administrações desastrosas dos comunistas que destruíram a pujança da cidade que foi a terceira do Brasil, mas hoje deve ser a 27ª, porque temos apenas vinte e sete unidades na federação, se mais tivéssemos, sem dúvida, o último lugar seria nosso.

Glossário:

Biscateiro = pessoa que não tem trabalho fixo.

Meio-fio = guia; mureta de pedra ou concreto, entre o calçamento e a calçada em vias públicas