O apreciador de silêncios

... Ultimamente o velho andava mais calado, contemplativo, o olhar sempre perdido em algo que só ele parecia ver. Não que tenha sido diferente, com o restante de sua vida; ele sempre fora um bom apreciador de silêncios e, consequentemente, um bom interpretador destes. Isso se devia exclusivamente a sua falecida esposa, que, silenciosa por natureza (uma característica à qual se devia a maior parte de seu charme), volta e meia lhe perguntava (a maioria das vezes enquanto estavam na cama, antes ou depois de fazer amor, aqueles momentos mágicos e letárgicos que, justamente por serem curtos, são etéreos): “Meu silêncio não te incomoda?” Ao que ele respondia: “Oh, não. Se um dia incomodou, foi há muito, muito tempo. Antes de eu aprender a ler e interpretar seu silêncio”. (E aqui ela sorria, e ele sorria junto, porque compreendia perfeitamente o motivo daquele sorriso: ela dissera uma vez: “O homem que sabe ler e interpretar o silêncio de uma mulher está em outro patamar, é quase um semideus”.) Ora, pois veja bem, o que acontecia com o velho agora era, pura e simplesmente, que chegara num momento de sua existência em que não apenas apreciava e interpretava silêncios, mas se alimentava deles.

Tino Nenhures
Enviado por Tino Nenhures em 15/12/2022
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