O RIO

Era pesado o cesto que Rosa carregava nas costas, levando as roupas limpas dos filhos, que as águas do rio Jacuí deixavam tão limpinhas. As roupas do marido, Rodolfo, precisavam ser bem mais esfregadas, pois muitas vezes vinham imundas, impregnadas do lodo da barranca do rio. Rodolfo ganhava a vida e o sustento de toda a família com o trabalho de pescador. Cansada, Rosa chega ao alpendre da casa. O casal de filhos ainda dorme e o marido havia saído cedo, madrugada ainda

Abre devagar a porta, pensa na sua vida pobre e no cansaço dos seus apenas vinte e cinco anos, então lembra o ditado do marido, que para animá-la sempre repetia: "um dia a sorte vai bater em nossa porta".

Pesado também era o balde onde Rodolfo, muito satisfeito, traz o resultado de um dia de pescaria: muitos quilos de traíras grandes e brilhosas.

No retorno pra casa, tornou-se um hábito Rodolfo passar no bar do Seu Manoel, comprar o pão para a família comer com o peixe fresquinho. Depois de umas biritas, comprar também um bilhete, fazer enfim uma fezinha, porque um dia a sorte vai bater a sua se porta.

O pescador segue pela estradinha de chão batido, vai assoviando e cantarolando, pensando nos filhos, crianças tão boas e lastima não ter comprado balas para eles. Pensa na cabeleira negra e nos olhos verdes de Rosa. Ao pensar no seu corpo curvilíneo apressa o passo. Considera-se feliz, mas não deixa de esperar por dias melhores, onde possa levar mais do que peixe e pão para casa. Assim vai pensando quando avista um belo automóvel branco parado frente a sua casinha. Vê também toda a sua família em volta. Aproxima se e vê o letreiro na porta do automóvel: TV ANDORINHAS/VISÃO E VOZ DO SUDOESTE.

A equipe da TV Andorinhas havia se deslocado para fazer uma cobertura nas cidades ribeirinhas e fazer uma reportagem sobre a vida das lavadeiras do rio Jacuí. Encontraram diversas mulheres na tarefa árdua de fazerem do rio o seu lavatório.

Em determinado momento, Rafael o diretor da equipe, tem a sua atenção voltada para a morena de cabelos cor da noite e belos olhos verdes.

Dia seguinte a moradia da lavadeira de olhos verdes é encontrada pela equipe de televisão. O jornalista acredita ter descoberto um novo rosto para a publicidade.

No portal da pequena casa, o Sr Rafael diz por que veio e formalizou o convite para Rosa fazer fotos e filmagens como modelo fotográfico. Deixaram um contrato para o casal examinar. Voltariam semana seguinte para uma resposta.

Na sua inocência e humildade Rosa apenas sorria e pensava em tudo que poderia oferecer para seus filhos.

Rodolfo homem rude e trabalhador, teve suas estruturas abaladas. A insegurança tomou conta do pobre pescador, que até então acreditava ser o dono da lavadeira mais bonita do rio Jacuí.

Nessa noite o casal não dormiu. Sabiam que precisariam conversar a respeito. Mas nenhum deles teve a coragem de iniciar o assunto. Rosa tem medo de estar pecando, por desejar ir ao encontro desse mundo deslumbrante e rico. Ela, uma mãe de família temente a Deus.

Rodolfo cada vez mais inquieto, agora sentindo-se possuidor de insegurança e medo, nunca antes sentido durante toda a sua vida simples de pescador. Ele esperava que a sorte viesse bater-lhe a porta, mas não levar-lhe a sua esposa, mãe de seus filhos, o amor dos seus trinta anos.

E assim os dias iam passando. O assunto não era comentado na casa. Rosa continuava na sua rotina. Curvada na beira do rio, deixava suas lágrimas misturarem-se com as águas turvas do rio Jacuí. O fascínio do convite para adentrar em um mundo de glamour, perseguia os pensamentos da moça, que logo censurava-se ao lembrar do casal de filhos e de Rodolfo, companheiro de todas as horas, o único homem de sua vida.

No bar Seu Manoel estranha o comportamento de Rodolfo, o pescador anda muito quieto, meio sem graça, no seu retorno não cantarola, nem assovia, apenas vai tropeçando pela estradinha, pois tem bebido umas a mais.

Assim os dias também vão passando, e o contrato continua na mesinha de centro, como foi deixado. Então, quando faltam três dias para o prazo do pessoal da TV voltar, acontece algo novo.

Era chuvosa aquela quarta feira, quando Nicolau, o leiteiro do povoado, chega correndo, chamando por dona Rosa e trazendo uma carta nas mãos.

Rosa, trêmula, vê que a carta vem da cidade de Linhares, onde mora sua mãe e alguns parentes. Ela estranha esse contato e mal sabe que ali pode estar a solução para a sua angústia e a mudança de suas vidas A carta, que era bem curta dizia apenas que:

"Filha, Deus abençoe, a você, meus netos e Rodolfo

Venham todos, o mais depressa possível.

Seu avô voltou dente e faleceu. Preciso de vocês.

Cida, tua mãe”.

O avô de Rosa, era um homem rico, esteve muitos anos refugiado fora do Brasil, e agora volta para Linhares, muito velho e sem saúde vindo a falecer. Porém, para surpresa de todos, tinha por aqui muitas terras e um lindo sítio com muitos animais, que deixou para sua única filha, D. Cida, mãe de Rosa.

D. Cida, viúva e quase cega, sem demora, chama a filha e o genro para se apossarem de tudo, visto ela não ter mais condições, nem idade para cuidar do sítio e dos animais sozinha. É uma reviravolta na vida do casal e Rosa vê aí a possibilidade de ficar próxima da sua mãe, com sua família e ao mesmo tempo prosperar.

Abre mão do sucesso pela tranquilidade do seio da família.

Rodolfo entende que a sorte bateu a sua porta em forma de oportunidade de trabalho e progresso.

A família parte para seu novo destino e o contrato, sem assinatura, fica sobre a mesa de centro da casinha abandonada.

CEIÇA
Enviado por CEIÇA em 17/12/2022
Reeditado em 30/05/2023
Código do texto: T7673629
Classificação de conteúdo: seguro