Vida verde

Tento ler, mas o verde lá fora insiste que eu o veja. Está tudo tão diferente, será que estou na estrada certa? É que sempre passei por aqui com as mãos no volante e hoje sou passageiro de mim.

Fecho o livro, preciso observar as árvores que andam. Elas falam e eu as ouço. Posso sentir seu cheiro cítrico e amadeirado. Tem gosto de ser.

Aqui a terra é vermelha. Mais vermelha que em outros lugares. Parece pó de tijolo. O contraste com a paisagem tão verde chega a ser bonito, para quem não gosta desse chão longe de tudo.

Tem lugares que são belos porque nos são. E tem lugares que precisam insistir para serem vistos. Te vi. Te admirei porque tem ondas. Mar de montanhas molham minhas lembranças, por isso me faz escrever.

A letra tremida pelo balançar do ônibus parece se emocionar pois essa terra, pela primeira vez, me inspirou. Não chego a sorrir e nem sentir o gelo no peito, mas escrevi.

O céu está azul - como gosto do azul... mas não foi ele que me abriu o ser. De certo que foram os tapetes verdes, as árvores cheias e a casa ao fundo. Um quadro que já pintei, mas nunca vivi.

Ao abrir novamente o livro já não sei mais quem me fez escrever. É que Clarice tem esse poder, de me fazer as palavras saltarem.

Olho e vejo ondinhas de montanhas; parecem feitas à mão. E foram. Uma igreja surge no alto, está completo o cenário mineiro. Sinto que preciso falar mais dela. Mas o que falar de um símbolo que fala por si, que nos acende por dentro e que me mostra que há vida aqui, dentro de mim?

Sentei em uma parte da janela repartida. Não consigo enxergar por inteiro, enxergo meias verdades. Talvez o lá fora está tão precioso porque não vejo a metade podre. A cortina também me encobre o olhar. O que será que enxergo? Será que vejo com os olhos da face ou da imaginação? Já não me percebo.

É desconfortável ter que decidir isso. Não posso ter duas visões deste mundo que caminha rapidamente lá fora? É uma pergunta-resposta, eu digo que posso!

Gosto de terra que tem cafezais, me refresca. É acolhedor e o clima é bom. Não entendo de terra, mas sinto. Talvez seja o reviver de um sentimento guardado que não tem força para se mostrar, apenas sinto seu quase chegar.

A vegetação ao fundo segue na mesma direção que a minha, e a da beira da estrada segue ao contrário. Assim são meus pensamentos. Uns me seguem e outros insistem em ter vida própria, em sentido contrário.

Mar de montanhas, céu azul, uma casinha e uma igreja para agradecer por todos esse sentimentos de vida verde que ainda há em mim.