Um Natal mais autêntico
 

           A vivência natalina se consubstancia mais no espírito do que nas coisas, meramente materiais, como barro, gesso, ferro, plástico, papel, trigo, vinho ou tecido. Tudo isso vem sendo crescente e dominante, numa civilização que visa, sobremaneira, o consumo, amando mais a rua do que a casa, perambulando em mercados e shoppings para comprar o que não precisa ou coisas, em todos os sentidos, descartáveis. Tudo logo se acaba, muito rapidamente, tudo logo se fabrica, sem durabilidade. E se acabam porque são extremamente de existência provisória.
          Tal ilusão afeta nossos valores, que não deveriam ser tão sujeitos a esse frisson do consumismo, consequentemente, presenteando-nos um superficialismo contaminante, ao avesso do que nos asseguraria uma tranquila vida interior. Sem essa vida interior, nossa felicidade sucumbe, pois é nela em que se encontra a tranquilidade, a imperturbabilidade, os momentos de vida feliz, quando se passaria uma “noite feliz” ou a noite do Natal. Por isso, a ausência nos reclames do consumismo da principal mensagem natalina: Jesus Cristo, que nasceu em circunstâncias de espírito de pobreza, o contrário da luxúria, é o que se exalta nas bem-aventuranças do Sermão da Montanha. Comportaram-se assim santas e santos que se tornaram, não nossos protetores durante nossos aperreios, mas, antes de tudo, exemplos de vida cristã. Nesse aspecto, como uma bem-aventurança, Francisco de Assis e madre Tereza de Calcutá, como tantos outros, foram canonizados protótipos, que compreenderam e demonstraram, em vida, que tal felicidade é possível.
          Tempos atrás, construíram imensas catedrais, e nelas, desenharam manjedouras, coloridas em belos vitrais. Desvirtuar o Natal seria quebrar essas iluminadas vidraças, de cores e pinturas sobre o nascimento de Jesus; jogando-lhes pedras, para depois tentar catar os pedaços para reconstituí-los em vitrais emendados. Agora, ao passarmos, nesse dezembro, por essa festa litúrgica, admiremos, nos vitrais ou fora deles, os presépios com nosso espírito de autenticidade e natalino. O Natal significa o pequeno menino, sem ostentações e com simplicidade, ensinando aos grandes que a Revelação de Deus continua se manifestando, essa é a maior liturgia. E sempre falta os grandes aprenderem dos pequenos, sobretudo, quando se compreende e se aceita a profecia de Isaías (11.6): “(...) e uma pequena criança os guiará.”
          Como a criança guiará o adulto? A fé, no campo da sabedoria, discerne também ver as coisas pelo avesso, como é o caso do adulto se tornar criança para que, na simplicidade, enxergue melhor essas verdades. Assim, o autêntico Natal acontecerá pelo avesso da frívola festinha comercial e do consumo. E haverá o milagre da aprendizagem dos adultos, sendo alunos; e as crianças, seus ensinadores. Por isso, tanto esforço dos reis magos, mesmo considerados sábios, terem partido de longe, de deserto afora, e procurado a criança recém-nascida, até achá-la numa estrebaria, entre animais e natureza, escondida da espada e outras armas de Herodes. Deus, em todas as fases do Deus humano, como Deus criança, tem-se revelado, constantemente, o maior no menor, muito mais do que conseguimos pensar. Mas, jamais invalidar o Natal, banalizando-o nas coisas do comércio, como adverte Carlos Drummond de Andrade, em Versiprosa: “Menino, peço-te a graça / de não fazer mais poema / de Natal. / Um, dois ou três, inda passa... / Industrializar o tema, / eis o mal.”