O belo edifício era objeto de discussões e polêmicas entre cidadãos. Denúncias também partiam dos órgãos ambientais cobrando providências das autoridades. É que, pela sua imponência e altura, ele estaria “agredindo” o visual da lagoa central da cidade. Abrigava uma loja de variados produtos eletroeletrônicos e outros sonhos de consumo, ocupando seus andares com letreiros luminosos e outras tantas luzes tecnológicas. Não deveria chamar mais a atenção do que o lago, tão mais natural e singelo.

Passava das 20h e o clima de fim de ano já se instalara na cidade. Às margens da lagoa, observando o movimento dentro da loja, lá estavam pai e filho. Haviam saído para passear e namorar produtos. O filho, de uns sete anos, estava sentado no cano da bicicleta e o pai, ainda montado no selim. O pequeno, muito sagaz e curioso, ia indagando ao pai:

- Papai, eu queria ter uma bicicleta igual àquela ali. Ela dá certo com o meu tamanho. O pai observa os olhinhos do filho e comenta:

- Se Deus quiser, um dia você vai ter uma daquelas. Mas eu queria era aquele aparelho de som com 1000 watts. E depois aquele televisor enorme... O filho interrompe:

- Ora papai, a nossa casa é pequena. Será que cabe aquele som? E aquela televisão tão grande? Onde iríamos colocá-la? Ao que o pai responde:

- A gente dá um jeito. Seria tão bom!

Insiste o menino:

- Mas, se eu vou ganhar outro irmãozinho em breve, o senhor não vai ter que aumentar a casa? Além disso, mamãe disse que criança pequena dorme muito. Não vai dar certo ela dormindo com o barulho do seu som! O pai, visivelmente admirado com a astúcia do menino, responde:

- Tudo bem! Nós vamos dar um jeito e aumentar a casa. Vamos fazer aos poucos, pois não é barato. O menino concorda, mas acrescenta:

- Eu sei como é que o senhor pode fazer papai. É só vender o som e a televisão que está querendo comprar e aumentar a casa. O pai, ligeiramente irritado, retruca:

- Ora, então eu não preciso comprá-los. Eu faço a reforma da casa...

Mas o danadinho não desistiu de seus propósitos:

- Sim! E como vai fazer aos poucos, pode incluir a minha bicicleta no meio, que não vai apertar muito...

O pai já começava a sair do sério...

- Ora! Como ousa me dizer o que é que eu devo ou não fazer? O menino, tranquilamente, balbucia:

- Sabe o que é papai? É que bicicletas não fazem barulho e não precisam ficar dentro de casa. Aí o senhor poderia comprá-la para mim e ir aumentando a casa. Assim, eu não o incomodaria mais.

Nisso, a grande loja começou a baixar as portas e lentamente as vitrines foram se apagando...

- Vamos embora, filho. Vamos fazer um quarto para o seu irmãozinho. E se Deus quiser, daqui a um tempo poderemos escutar música bem alto, assistir televisão numa tela grande e ensinar o caçulinha a andar de bicicleta. O menino assustou-se:

- Andar de bicicleta? Como assim papai? O pai, sorridente, respondeu:

- Ora! Você vai crescer e ele poderá aproveitá-la depois.

 

Luciano Abreu
Enviado por Luciano Abreu em 23/12/2022
Reeditado em 23/12/2022
Código do texto: T7678266
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.