Comocão (crônica)

Dia desses eu andava pelas ruas do centro, como sempre repleta de transeúntes e ambulantes que passavam em todas as direções.

 

Em uma dessas ruas notei que as pessoas paravam próximo à um poste, observavam, sacudiam a cabeça e logo iam embora.

 

Um pequeno grupo de umas 3 ou 4 pessoas permanecia e ele ia se reciclando conforme chegavam mais curiosos, os que chegaram primeiro iam embora dando espaço aos próximos.

 

Ali naquele poste havia um cão, mas bem podia ter sido um homem, explicitamente subnutrido e com uma fratura exposta em uma das pernas de trás. Já não tinha mais forças nem para gemer.

 

Num desses grupos que foi se reciclando, havia um rapaz com celular em mãos, aparentemente registrando com a câmera a situação, e eis que este solta o comentário:

 

"Aí gente, como pode? Tanta gente passando e ninguém ajuda"

 

Ao passo que uma senhora ao lado replicou:

 

"E porque você não faz nada?"

 

O rapaz incrédulo responde:

 

"Eu? Eu não posso. Estou gravando pro Tiktok"

 

Eu que estava de passagem, de passagem me fui.

 

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Esta crónica e a minha poesia, ambos são frutos de uma mesma ideia que me surgiu na mente para escrever algum texto que evidenciasse o quanto somos omissos e superficiais, especialmente nos dias de hoje, em grau maior ou menor.

 

Hora somos quem atropela e não presta socorro.

Hora somos quem só observa.

Hora somos quem finge que se importa ao fazer um estúpido comentário sem tomar ação.

E hora somos quem finge que se indigna com um comentário estúpido, sendo tão omissos quanto.

E hora somos aquele que finge que não viu, não ouviu, não se afetou, só foi embora.

 

Todos apenas preocupados com o próprio umbigo.

 

O ciclo se repete.