Foram 65 dias passando frio, passando calor, tomando sol, chuva...

Foram dias agitando a bandeira do Brasil, indo para casa rapidinho, só para tomar um banho e voltando para a frente do quartel.

Meus filhos, meus netos, meus parentes me falavam que eu estava passando dos limites, mas eu sempre reafirmava que eu estava lá pelo passado que tive, pelo presente que vivo e pelo futuro dos meus netos e pela velhice dos meus filhos.

Eu estava apavorada pelas coisas que eu lia nos jornais, que via na tv, que conversava com conhecidos na fila do mercado.

Eram todos unânimes em dizer que íamos entrar numa fase difícil. Todos diziam que o presidente atual iria nos levar ao caos e que íamos ter recessão, íamos virar uma Argentina ou Venezuela.

Eu, com tanto medo de ter que revirar o lixo para achar comida, que comer cachorro, que resolvi me manifestar.

Fui para a frente do quartel e gritei, pedi, implorei às Forças Armadas para salvarem o Brasil.

Na verdade, eu até estava sendo um pouco egoista, pois pensava mesmo em mim e em minha família. Já pensou como a gente iria se virar se perdêssemos nossas casas, nossa fonte de renda, etc?

Chegou o grande dia marcado para a mega manifestação, dia 08 de janeiro de 2023.

Eu percebi que naquele dia, estava um ar pesado. Parecia que uma nuvem negra pesava sobre a cabeça de cada um de nós.

Apareceu um moço, lá de dentro do quartel e nos avisou que iria nos escoltar até a entrada do Palácio da Alvorada. 

Ficamos  felizes, pois parecia que tudo daria certo.

Peguei minha bolsa, minha bandeira e meu boné verde e amarelo e pensei até em desistir. Sentia que aquilo estava muito fácil para ser verdade.

Lembrei do capitão que sempre foi de acreditar em Deus e resolvi ficar. Não acompanhei o grupo. Era um pouco distante e eu não conseguiria andar até lá.  Eu não era mais uma mocinha.

Eu fiquei, assim como umas dezenas de pessoas.

Quando demos por nós, já era quase 3 da tarde e o whatzapp começou a vibrar e o terror estava acontecendo. Muitos mandavam fotos e vídeos que ali quebravam as coisas, destruiam e jogavam móveis. Aquilo foi uma selvageria . Não era o que a gente pensava em fazer. Mais de 2 meses protestando em paz, sem briga, sem quebra-quebra.  

Resolvi ir para casa, deixar o acampamento. 

Quando nos dirigíamos para o ônibus, alguns policiais nos aconselharam a seguirmos nos ônibus deles, pois era mais seguro. Éramos muitos. Poderiam pensar que éramos aqueles que estavam na manifestação.

Resolvemos segui-los.

Achei estranho aquele caminho.

Estava demorando muito para chegar.

O ônibus parou e um senhor fardado nos avisou que a partir daquele momento estávamos todos presos por crime de atos golpistas.

Meu chão caiu.

Ficamos horas dentro daquele ônibus. Muita gente passando mal por causa do calor, por causa de sede, de fome.

Saímos dali e fomos colocados numa quadra sem nenhuma estrutura para nos abrigar. 

Ficamos ali, sem ter onde dormir, passando frio.

Eu estava com meu celular, com carregador, mas eles cortaram a luz para que não tivessemos contato com ninguém.

Fomos pedir cobertor e o policial disse que era para dormirmos grudadinhos, assim não passaríamos frio.

Liguei para meus filhos e eles disseram que iriam me tirar daqui, que estavam contratando um advogado.

Enquanto isso, comecei a sentir que aquele momento era muito temebroso, que eu iria passar por momentos difíceis e que eu não poderia entrar em desespero.

Respirava fundo todas as vezes que eu lembrava que tinha sido enganada por um ''fardado''.

Meu remédio da pressão tinha ficado em casa, junto com o da diabetes.

Dois dias se passaram e eu sem os remédios. Havia comido um pão com mortadela no dia anterior. Água só da torneira e ficava longe da quadra.

Minhas mãos tremiam e minha boca começava a adormecer.

Minhas costas doiam muito, por deitar no chão que era frio.

Enfim, hoje apareceu um advogado que pegou meus dados e disse que talvez eu sairia logo, por causa da idade.

Mesmo assim, não tive nenhum tratamento diferenciado por ser idosa, por ter comorbidade. 

Enquanto não saio daqui, procuro orar, orar muito, pois é a única coisa que me resta fazer.

Eu pensei que eu podia fazer a manifestação, pois nunca nenhuma rede de televisão veio mostrar o que a gente estava fazendo. Nunca nenhuma emissora de TV fez qualquer pronunciamento a respeito da nossa manifestação.

Agitamos bandeiras, gritamos em TODOS os quarteis no Brasil, por 65 dias e nunca NINGUÉM disse que era errado.

Depois, fomos enganados, ludibriados pela própria polícia e nos sequestraram.Nos levaram para a boca do lobo e 

fomos ali jogados.

Eu não espero mais nada desses dias.

Estou morta. Estou derrotada. Estou humilhada.

Estou derrotada não por ter me manifestado e meu presidente não ter vencido a eleição.

Estou morta, derrotada, por ter minha liberdade ceifada, por ver outros brasileiros torcendo para que fiquemos presos até morrermos, enquanto isso, fazem ''festa'' com o dinheiro dos nossos impostos, pagos com tantos anos de trabalho.

Adeus, Brasil! Morremos juntos...

Este texto é uma ficção. 

 

PoderRosa
Enviado por PoderRosa em 20/01/2023
Reeditado em 20/01/2023
Código do texto: T7700272
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