O ATENDENTE DA FARMÁCIA, SUA TRAIÇÃO E A LITERATURA

Amigo leitor, amiga leitora, o escritor sofre de uma doença, horrível, que não desejo para ninguém. Ele tem os olhos de João Romão, altivos; os ouvidos de uma grande fofoqueira como dona Joaneira ou mesmo prima Justina, e não pode ver uma polêmica como o séquito de corticeiros criada por Aluísio de Azevedo. É triste. E não é por maldade, não. É por puro instinto. Está empregnado, sabe fumaça de fogueira de São João? É mais ou menos isso, passou perto da fogueira, o odor te acompanha até o São Pedro. E para arrancar esse feio costume? Nem Freud ajuda, contrariando o velho Zé Ramalho. Por que estou falando isto? Explico.

 

Fui à farmácia comprar minha dúzia de remédio e ouço o atendente, um jovem de mais ou menos 20 anos, se lamentando a outro amigo, mais ou menos assim: "Eu coloquei ele na minha casa. Dei apoio na hora de maior dificuldade, e ele me paga desta forma: engravidando a minha esposa!" Primeiro, me admiro da sua franqueza em falar de tal assunto assim, de forma meio que aberta, inclusive ao alcance de ouvidos de estranhos, como eu. E ele se lamentava muito mais. Que agora tinha que fazer o teste de paternidade e cosia e tal e que se o filho fosse dele mesmo assim a separação seria inevitável porque não saia da sua cabeça a imagem dos dois debruçados em sua casa há cinco meses. Segundo, o problema está em ter engravidado ou na traição? Ou a traição sem gravidez dava para aguentar? Claro que esses são questionamentos exclusivamente meus.

 

História triste. Seu relacionamento caiu como um castelo feito de vento. e só restava lhe chorar. Mas, poderia ter evitado. Como? Com a leitura de três livros (e depois dizem que a literatura não serve para nada): Dom Casmurro, Ressurreição e o Cortiço. Três doses e ele estaria vacinado contra essa tola atitude de colocar outro homem dentro de casa. Poderia ser o maior amigo, ele não aceitaria. E por quê? Como já disse, estava vacinado pelas doses da literatura.

 

Se eu pudesse falar com o atendente traído, eu diria: "moço, a vida está repleta de exemplo de que o que você fez nunca poderia dá certo. Veja bem, ele era seu amigo?" (Imagino que a sua resposta fosse sim). Então, já citava a amizade de Bento e Escobar. Ambos se conheceram no seminário e já travaram uma grande amizade a ponto de hoje ter uma teoria à tangente dizendo que eles na verdade são gays. Um defeito das épocas modernas, querer empurrar a sua interpretação como a verdadeira e única, foi assim que a polêmica do traiu ou não traiu surgiu. Uma feminista lá nos EUA disse que não traiu e pronto, meia dúzia de adeptos saiu balançando a cabeça: "Não traiu, não traiu, não traiu." Já já alguém sugere que o pai de Bento é o Agregado e outros três ou quatro saem atrás balançando a cabeça: "É mesmo, é mesmo, é mesmo."

 

Pois então, os dois eram amigos amicíssimos. Andavam de mãos de dadas e davam abraços gratuitos quando se encontravam. Quando casados, um frequentava a casa do outro, e a suspeita é que Escobar frequentasse mais a casa de Bento, se vocês entendem o que eu quero dizer. Não deu outra: Capitu engravida e a medida que o garoto cresce, fica a cara do pai, mas quem é o pai? A polêmica foi criada. Essa dúvida não existiria, se a intimidade entre os possíveis traidores não fosse tão grande. Ir na casa do outro e ficar sozinho com a mulher dele... Ihhh...

 

Outro exemplo que eu daria ao meu amigo, veja que só bastou dois dedo de prosa para ganharmos intimidade, deixou de ser um mero atendente, somos próximos agora, é isso o que as tragédias da vida fazem conosco, nos aproximam. Então, um segundo exemplo da literatura que eu daria é a amizade entre Felix e Meneses. Quem ainda não leu a Ressurreição, leia, vale a pena, e se te disserem que o romance é simples e de personagens planos, como já falaram de Helena, se afaste deste desgraçado para não ser contaminado pela opinitite que acomete os formadores de opinião. Se forem ou não personagens planos, decida você ao ler e não deixe de ler pelo o que os disseram. Então (George, tu escreve muito então!!! não seja por isso tome outro: Então.), Felix está apaixonado por Lívia, só que é um amor escondido. Uma mulher bonita como Lívia desperta o amor, a paixão e o desejo em muitos homens, e um deles é justamente o amigo de Felix, o doutor Meneses. Veja bem, e quando ele se dá conta que está apaixonado pela mulher do outro? Quando começa a frequentar a casa dela. Preste atenção ( é outra forma de dizer então com outras palavras para não ferir a honra da crítica) que agora já são dois amigos frequentadores de casas dos outros. Se bem que Escobar agia de forma premeditada, já o Meneses era um novato e estava supondo coisas que ele supunha existir, como no caso, que também era amado pela Viúva.

 

E o último caso que te apresento é de Henrique, um jovenzinho, cheio de acanhamento, sensível, pele fina, estudante, uma flor com uma delicadeza de menina. Isso quem nos conta é o narrador do livro. O narrador ainda ocnta que dona Estela tinha por ele uma afeição quase maternal. Só se fosse igual a de Édipo por Jocasta. Um típico caso de que as aparências enganam ou se faz de morto para comer o coveiro. Não se escandalize com o provérbio popular! E por falar em comer, eu acho que um dos conselhos que o velho Botelho dá ao Henrique ao vê-lo "mandando ver" na esposa do Miranda é que "quem não come é comido", ou algo parecido. O que acontece entre Henrique e a d. Estela? Debaixo das ventas de Miranda eles o traem. Justamente o Henrique que está morando em sua casa, não de forma gratuita ou por amizade; o pai do jovem paga 250 mil reis mensais para os custos do filho. Em tese, Miranda está recebendo um quarto de conto de réis para Henrique coabitar pelos becos com sua esposa.

 

Não sei se essa conversa o ajudaria no seu relacionamento e vida futura. Mas, pelo menos ele aprenderia um pouco mais sobre a nossa literatura.

George Itaporanga
Enviado por George Itaporanga em 26/01/2023
Reeditado em 29/12/2023
Código do texto: T7704251
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