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Ela, 45 anos. Olhar forte, profundo e com olheiras. Elas são marcas de muitas noites mal dormidas. Reflexos de uma vida dedicada ao seu maior sonho. Uma vida abdicada de si para buscar o que queria que fosse seu. Inspirada e determinada, o suor escorre no seu rosto, ilumina sua pele e a deixa mais jovem. Seus cabelos ondulados, arrumados com os dedos, contornam sem alinhamento a testa e se desenrolam como molas na orelha direita.

As mãos, agarradas com força nos ferros da cama. Uma lágrima percorre lentamente a lateral do ouvido como uma música extensa e melancólica. Pálida, seus dentes cerrados tentam camuflar a dor. Dor de amor. De quem perdeu o amor. O maior amor do mundo. Gritos de desespero ecoam pelos corredores, suspiros ofegantes se ouvem dentro do quarto e o suor se funde às lágrimas que escorrem pelos peitos.

Ah, os peitos. Prontos para alimentar a vida que morava dentro dela. Tanta dedicação, tanto cuidado por quase sete meses. Uma vidinha prematura gerada por uma mulher madura que estava pronta, no seu momento máximo. Vida que veio e se foi antes do tempo.

- Fizemos o possível, disse o médico raiz, um profissional empiricamente empático, que atira de lado sua máscara, seu crachá, seu diploma.

O bip de emergência tilinta pelo quarto. É o ruído padrão que anuncia o nascimento, mas também o fim.

Ela enxuga o rosto, corrige a postura, inspira e respira. Há motivação no seu olhar. A sua força se renova e seu corpo parece produzir imediatamente células regenerativas. Tal como uma formiga que tem seu ninho destruído e começa a reconstrução sem lamentar, essa mulher não vai desistir.