BICHINHOS DE ESTIMAÇÃO.

"O mundo dá voltas. Estava sentado de frente para o computador transcrevendo algumas pesquisas qualitativas - prefiro deixar as inicias em minúsculo, sem querer com isso desmerecer, tão pouco menosprezar o trabalho daqueles que ganham a vida desta maneira. Não costumo cuspir no prato que como. Mas enquanto escrevia, a palavra Excelsior veio à cabeça. Isso, assim do nada. ‘Pá’, lá estava ela com todas as letras: Excelsior. Excelsior, como um cavalo lustroso galopando numa flor de lótus. Pensei se não seria melhor consultar o dicionário. Não conseguia lembrar o significado da palavra.

Existe aquela brincadeira do pensa rápido e responde a primeira que pensou. É. Papel. Sei lá que porcaria pode ser papel. Tente se olhar diante do espelho e pronunciar a palavra P.A.P.E.L. Faça isso umas duas, três vezes. Se você não se sentir absolutamente um crônico-idiota e, se também não conseguir decifrar o significado da palavra papel, então, será condescendente com minha dúvida.

Não levantei. Fiquei ali parado. Imaginei o significado da palavra Excelsior. Excelsior... Algo ou alguém por demais distinto; um pássaro garboso; um canal de TV; a marca de um sabonete dos anos cinqüenta, um filho da p., que me deve dinheiro e nunca mais verei e deve morar no estrangeiro e nem deve se lembrar que existo (!).

Excelsior... Por quê? Fiquei absorto. Passei a pensar na 'morte da bezerra'. Realizei inúmeras coisas sentado no sofá. Acho que uns trinta minutos do dia foram literalmente jogados fora. Excelsior? Assim que recobrei a consciência fui descobrir o significado da palavra. Não se escreve excelsior, e sim excelso. No 'pai dos burros' está escrito assim: 'Excelso. Adj. 1. Alto, elevado, sublime. 2. Excelente, admirável'. Talvez seja uma palavra-gatilho, que dispara não sei para onde meus pensamentos. Talvez seja angústia somada à fome, ou talvez eu tenha algum dom mediúnico, ou algum problema psicológico intratável, incurável. Basta.

Voltei ao trabalho. Recomeço a transcrição. Que dor de barriga desoladora. Era como se tivesse uma fera me arranhando por dentro. Não fiz uma pré-seleção do que iria ingerir. Iniciei com uma sopa de ervilha e molho de soja, depois um sanduíche de queijo de minas com um resto de catchup velho e encerrei com um creme de abacate mais velho ainda. Suar frio é uma constante na vida dos desempregados. O que vem, vai, aliás, desce. Me pareço cada vez mais com uma avestruz. E estou resistindo a tudo que ingiro. Outro dia li não sei onde que está na moda assemelhar-se a certos tipos de animais. 'Que elegante a minha filha, igualzinha a uma garça', 'Rapaz, meu filho leva jeito para corridas, imagina que ele corre feito um guepardo', 'Mãe, não quero ir pra escola, tô me sentindo meio lesma'. Perfeito. Quando vierem cortar a minha luz direi: 'Pouco me importa, sou como um morcego!'. Quando cortarem água direi: 'E daí, sou como um gato'. Quando o banco encerrar de uma vez por todas a minha misera conta bancária direi: 'Quem liga, sou como as formigas'. Quando aquele peixe que guardo há um ano congelador estragar direi: 'Que bosta, deveria ter comido antes'. Ingenuo o que escrevi, eu sei, mas não pensei em nada melhor, a dor impiedosa no estômago me deixava com poucas alternativas do que eu poderia preparar para o jantar. Poucas, ou melhor dizendo, vencidas. Torna-se um exercício diário aceitar determinados assuntos e pessoas (eu, especialmente), por isso não me venham com aquelas histórias manjadéssimas de aquecimento global, Bush, alta da Bovespa, gasolina adulterada, Leonardo Di Capri, CPI do sei lá o quê, ONU, Papa...

Excelsior e não excelso. Excelsior faz bem à saúde; excelso pode nos fazer crer que tudo na vida necessita uma explicação. Só não devemos nos esquecer que a bezerra um dia se tornará uma vaca".