REGRA OU EXCEÇÃO ?

“Por causa dessa geopolítica que se instalou, proposta pelos economistas e imposta pela mídia, o centro do mundo, hoje, não é o homem, é o dinheiro. Isso abriu espaço para qualquer forma de barbárie pela qual a gente deixa morrer crianças, velhos e adultos, tranquilamente.” (Milton Santos, geógrafo, baiano)

Diante das calamidades que acontecem no mundo e no Brasil, depois de dois anos de pandemia com a Covid 19, chocados com os terremotos na Turquia/Síria e com as enchentes no Brasil, nos sentimos na obrigação de comentar sobre abalos naturais.

Não detemos conhecimento técnico sobre estes eventos climáticos, mas esta sucessão de catástrofes são cada vez mais frequentes diante da destruição ilimitada da natureza pela cobiça humana. Qual destas calamidades são mais violentas ou provocam mais danos às pessoas? Não temos uma opinião definida. Temos sim, uma opinião referendada pelas pesquisas geológicas quanto aos efeitos que as catástrofes provocam na deterioração da qualidade de vida no planeta terra.

Uma possível comparação entre estes acontecimentos é que as mudanças climáticas atingem sempre as maiorias despojadas de quase tudo. Esses sofrem as consequências e morrem sustentados pelas velhas teses malthusianas. Mas, os terremotos quando fortes atingem extensas áreas, e os espaços da riqueza são atingidos. Mas, estes não são tão frequentes, enquanto as chuvas torrenciais e os desabamentos são constantes.

As enchentes no Brasil são uma “tragédia anunciada” pois, o número de mortos e devastação do território já é esperado entre os moradores, que habitam as encostas das metrópoles e das cidades médias. É um problema que aponta para a urgência de uma Reforma Urbana centrada no planejamento e uso do solo, e a resolução da promessa, sempre adiada, de loteamento de áreas apropriadas para morar. Entra ano e sai ano, chega o verão e é sempre o “déjà vu”, as chuvas com o “efeito terremoto “acontecem no país. Tudo desaba. As enchentes são o nosso maior pesadelo ambiental.

Só então, o Estado começa a se preocupar e as autoridades mostram serviço em seu afã de afirmar que governam. São pressionados a desobstruir as estradas para não atrapalhar o abastecimento de mercadorias, garantir o fluxo dos carros e ônibus turísticos, e também salvar vidas. O velho jargão “é melhor prevenir do que remediar” está na cabeça de todos, mas não se sensibilizam com as moradias precárias em áreas perigosas. É melhor que habitem longe dos locais que frequentam, pois não querem ser perturbados em suas férias paradisíacas. Até as notícias de rádio, como a CBN, sempre defendendo os “ideais democráticos” das classes dominantes, desta vez não omitiram, a dramática situação: “população pobre expulsa para áreas de risco, por conta dos cidadãos que não aceitam que ocupem os bairros onde residem”.

O caso de São Sebastião tem tudo a ver com a especulação imobiliária. Por séculos, a cultura caiçara conviveu com a Serra do Mar e suas instabilidades geológicas. Mas, as construtoras empurraram os moradores para os morros, e cederam a praia aos ricos. Este processo já dura quatro décadas de ocupação do litoral norte de São Paulo. Piorou com a BR 101 entre Bertioga e São Sebastião, a praia foi invadida por loteamentos fechados para casas de veraneio de altas rendas. Cada vez mais pressionados, os antigos habitantes foram para o pé de serra que são áreas suscetíveis de escorregamentos. (Outras Palavras, 24/02/2023) Os pobres, submetidos aos interesses das minorias abastadas são sempre chamados “invasores”. Mas, quem de fato invade terras são os protegidos pela “Justiça dos Ricos”, pois para os não-cidadãos, “não foram criadas políticas fundiárias inclusivas que garantam terrenos seguros para eles”. (idem) Este contexto ocorre tanto no campo como na cidade.

O governo federal do presidente Lula disse que, em sua gestão, irá retomar 8674 obras paradas. Dará início às obras públicas que promovem abertura de frentes de trabalho. Pretende atenuar o desemprego no país. Mas, de boas intenções o inferno anda cheio. Que obras serão estas? Atenderão à maioria do povo ou são para acalmar demandas das altas rendas, que querem beneficiar o seu terreno em área rural, ou sua mansão bem protegida nas encostas? Desse modo, essas obras públicas são “privadas”, pois servem aos “mandachuvas” de sempre.

Precisamos reivindicar os mecanismos da “democracia direta” para pressionar por políticas sociais e cobrar/ fiscalizar/finalizar o mais rápido possível. Para prevenção das enchentes e seus efeitos perversos, o trabalho eficiente de contenção das encostas, com dragagem, reflorestamento, e demarcação de terras seguras para habitação. Já estamos fartos de medidas paliativas tomadas pelos governos. O problema das encostas é tão vital quanto atacar o desemprego e a fome. Mas, para ter sucesso na empreitada a população vai ter de se organizar.

Se nada fizeram até agora, com este problema estrutural, é por conta de todos nós, que anestesiados vamos olhando a vida passar, sem sequer perceber que as camadas médias estão perdendo os seus minguados direitos de cidadania, cada vez mais restritos aos muito ricos, que detém as benesses públicas. Se estes assalariados continuarem em seu “dolce far niente” seremos os próximos expulsos dos espaços da riqueza e correremos o risco de morrer ou perder tudo com as enchentes.

I

ISABELA BANDERAS
Enviado por ISABELA BANDERAS em 27/02/2023
Código do texto: T7728841
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.