Aruã inventa a segunda instância

Entrou em casa da avó como uma lufada de ar fresco. Vestia uma bermudinha cinza que ia até o meio da perna deixando à mostra uma canela gordinha moreno dourada. Usava uma camiseta tantas vezes lavada que mal se percebia que um dia teria sido amarela. O rosto suado e corado, com olhos castanhos claros ansiosos percorreram o aposento buscando a avó. Tinha a pele bronzeada de uma cor de café com leite que lhe acentuava a cor quase loura do cabelo cortado em corte militar. Trazia um cheiro de pele de menino sadio, menino suado, menino que brinca. Brinca ao ar livre, que corre, que joga bola. Do alto de seus 8 anos, sentou na cadeira ao lado da mesa da cozinha olhando ansioso a avó que estava atarefada com a louça do almoço. De uma das panelas saia um cheiro bom de feijão recém temperado.

Antes que ele dissesse qualquer coisa a avó percebendo sua agitação, perguntou:

- Que foi Aruã?

- Vó, tu também manda né, vó? Tu és mãe da minha mãe, minha avó, então tu também manda, né?

- Ué, depende. As vezes eu mando.

- Então posso brincar na casa do Guilherme?

- Mas por que não pedes pra tua mãe?

- Já pedi ela não deixou. Mas tu manda, tu és vó! Posso vó?

A vó sorriu percebendo todo o raciocínio do neto que de uma certa forma estava correto e respondeu, enternecida:

-Pode.

Aruã voou da cadeira e saiu correndo pra rua levando consigo aquele cheiro que só meninos que brincam trazem consigo.

Na cozinha reinou o silêncio quebrado pelo barulho da louça sendo lavada pela avó que ainda sorria.

Mais tarde, a mãe de Aruã, uma morena bonita de cabelos negros e volumosos, entra na cozinha olhando em torno e pergunta pra mãe que àquela altura estava sentada vendo um programa de TV:

- Cadê o Aruã?

- Foi brincar com o Guilherme.

E antes que a filha dissesse qualquer coisa, relatou a conversa que tivera com o neto. Riram, orgulhosas da inteligência e esperteza argumentativa do menino. Porém, Aruã usou outra vez do mesmo argumento e prevendo que teria muitas outras vezes que contrariar as ordens da filha, resolveu por um fim na história de "avó manda mais por ser mãe da mãe".

O dia estava quente e muito abafado quando Aruã entrou com aquela carinha trigueira, suada e corada, satisfeito com sua maravilhosa descoberta "avó manda mais". Mas desta vez a avó foi firme na resposta:

-Aruã, deu! Agora chega! Eu concordo com tua mãe, o sol está muito quente e eu não deixo tu brincar com o Guilherme!

E foi assim que terminou a segunda instância a qual Aruã havia recorrido com tanto sucesso por duas vezes!