Itália globalizada pós-pandemia

 

        A paixão pela Itália dos meus bisavós levou-me novamente a passar umas boas férias por lá. Fui ver in loco como andam as aventuras e desventuras daquele povo depois da pandemia. Poucos brasileiros puderam se dar ao luxo de desembarcar em terras europeias justamente pelo câmbio desfavorável. Não se pode viajar sem fazer e refazer contas. No entanto, os vislumbres de um porvir assombroso na Terra Brasilis no final do ano (2022), cheio de oscilações reais, turbulências jamais vistas com tanta intensidade me acenaram fervorosamente à partida. Além da bela possibilidade de visitar os meus parentes no Trento.

        A melhor forma de se hospedar, para não estourar o orçamento, são os Bed&breakfast, casas de família que alugam quartos com banheiro e café da manhã. Esta opção revelou-se a mais interessante a meu ver. Fiz amigos e tive gratas surpresas em algumas cidades.

        Já em Vicenza, deparei-me com cafés chineses, sim, aqueles que antes pertenciam aos italianos. Perguntei a minha anfitriã e ela confirmou: “sim, todos os cafés foram comprados pelos chineses... ou quase todos” – Que absurdo! – eu me impressionei, de fato. A casa ficava a 5 km do centro da cidade, peguei ônibus todos os dias e me misturei aos residentes. Em um desses cafés, perguntei ao chinês, muito jovem, de que parte da China ele viera. – Do leste. – me respondeu. Me serviu um cappuccino e me despedi. O bar se chamava Jack Daniels, outra face da globalização, os nomes dos cafés estão sendo americanizados. Tomara que fique por aí essa interferência chinesa, tomara!

        Em outras cidades, o fenômeno se repetiu: chineses no comando das cafeterias e restaurantes. Já pensou se eles decidirem servir só pratos orientais – sushis e escorpiões (!) e de um dia para outro, nós, os clientes, ficarmos a ver navios, assim... meio estupefatos!... Não me agrada isso, nem pensar! Não podemos deixar cair por terra a essência italiana, não nos habituaremos às rotinas sem graça. Tantos bons costumes se sedimentaram na República Italiana que certamente dois mil anos de história não se perderão tão facilmente. É vero!

Os resultados do “fique em casa” (2020 e 2021) estão visíveis: impostos altos, gasolina cara, estabelecimentos fechados, imigrantes por todos os lados mendigando umas moedas, embora a gente saiba que o governo lhes dá um “redito” (ajuda financeira) mensal. Muitas lojas fechadas. Lamentavelmente, muros pichados... e as condições de vida nas periferias um tanto precárias.

        Sempre que pude conversei com os taxistas, com as senhoras nas feiras, e com os que se dispuseram a dialogar. Todos se queixaram dos altos impostos, do custo de vida altíssimo na República Italiana. E a bem da verdade o poder aquisitivo diminuiu... é vero! As feirinhas de natal de Vicenza foram pouco frequentadas, por mais que os vendedores se empenhassem, com exceção das taças de vinho. Aparentemente, alguns lugares foram mais afetados pela inflação do que outros.

        Os trens continuam sendo o que de melhor a Europa tem a nos oferecer. Vem e vão e nos levam para todos os lugares. São maravilhosos. Os “trams” de Milão são excelentes e charmosos. E os sinos das fascinantes igrejas nos instigam a continuar em seus interiores ouvindo sons gregorianos alimentando nossa alma. Apesar da grandiosidade das catedrais onde turistas encantados filmam e tiram fotos a todo instante, a religiosidade se esfacelou e os jovens não sentem necessidade de frequentar as missas, cabendo aos mais velhos a continuidade do cumprimento dos deveres cristãos. Nossa Senhora que nos proteja e mostre sua face sagrada a toda Humanidade, antes que afundemos num vazio existencial.

        Em Treviso, na Locanda ao lado da Igreja de São Lázaro me veio à mente o tal do “grande Reset”, algo que me soa como o cancelamento do ser humano. Do centro até ali, passei todos os dias por um posto de gasolina, e só via... máquinas! Nenhum ser humano. De um dia para outro, a gasolina subiu, de 1,84 foi para 1,94 euros o litro. Oras... oras... também lá não é fácil. Entrei num mercado, só máquinas. Poxa-vida... estamos sendo subjugados. Os seres humanos estão sendo substituídos há algum tempo. Dispensam as pessoas, afastam-nas para os subúrbios ou para a zona rural, quando não as fazem mergulhar no mundo dos desempregados. Quero crer que o caos não nos atingirá, que este mundo não sucumbirá aos grilhões da modernidade, que estes senhores das trevas não sobreviverão. Mas, salve-se quem puder.

        Muitos turistas encheram as ruas das grandes cidades da Itália neste início de 2023. E fizeram compras e mais compras, pois as liquidações estavam convidativas. E se refestelaram em restaurantes, boutiques e galerias. Meu cérebro entretinha-se pululando com tantas imagens, sons e burburinhos italianos naqueles dias invernais.

        Segundo o site Meteo* este inverno italiano foi o mais quente dos últimos 60 anos, daí que os lojistas correram para vender seus estoques à preços baixos. E foi um afluxo gigantesco de gente em todas as galerias. Milão, apinhada de turistas sequer lembrava que houve uma pandemia... Era gente comprando, gente entrando nas lojas de grifes e gente adquirindo “souvenirs" e superficialidades. À noite, depois do dia 15 de janeiro as temperaturas variaram entre zero e três graus negativos, em Milão. Eu sentia frio, pois temperaturas baixas não são fáceis de assimilar para quem está acostumado aos dias tropicais ao sul do Brasil.

        Hora de partir. Avisei a agência que teria que voltar para casa. Soube que era necessário fazer teste do antígeno C.-19. Aí fiquei tensa, onde achar um laboratório?! Peguei uns endereços. Mas me avisaram que o mesmo poderia ser feito no aeroporto Marco Polo de Veneza.

        No último Bed&breakfast em Mestre-Venezia, fiz as malas. Abri o portão, deixei a chave na caixinha indicada, entrei no taxi e fui para o aeroporto olhando tudo com olhos fascinados e me despedindo da Itália. Logo que cheguei fiz o tal teste. Saiu tudo bem. Que bom! Valeu! Bela e fascinante República Italiana até a próxima!

 

 

                                                                                                         Izabella Pavesi - 13/02/2023

 

Texto publicado na Revista Insieme (português-italiano) edição nº 283 - jan/fev/2023

*https://www.iconaclima.it/italia/clima/inverno-italia-caldo-nord-secco-sud/