TEATRO E DITADURA

O TEATRO E A DITADURA

Nelson Marzullo Tangerini

Radicalmente contra o autoritarismo, as ditaduras e a tortura, mandei fazer, para mim, uma camiseta contendo a frase “Ditadura nunca mais!”. Abaixo da frase, coloquei a foto do jornalista Vladimir Herzog. Vlado, como era conhecido no meio jornalístico e pelos amigos, foi barbaramente torturado (pela ditadura) numa cela de uma delegacia na Rua Tutoia, em São Paulo Capital. Depois forjaram um suicídio por enforcamento que não houve, uma vez que a suas pernas dobravam sobre o chão.

Ao passar por uma rua do Méier, subúrbio do Rio, com a referida camiseta, eis que um velhote rancoroso resolve me provocar, dizendo-me que vivia melhor na época da ditadura. Aquelas frases já conhecidas e desgastadas, como “Na ditadura eu saía sem medo pelas ruas, ...” foram vomitadas com arrogância e desprezo pelos seres humanos vítimas de prisões arbitrárias, torturas e assassinatos.

Respondi-lhe, dizendo que eu não concordava com ele e que uma prima havia levado “porrada” da ditadura.

O cão raivoso, inconformado, respondeu-me que alguma coisa minha prima havia feito para merecer “tomar porrada”.

Respondi-lhe: “- Em primeiro lugar, ninguém merece levar porrada. E tem mais: minha prima, Marília Pêra, era atriz e trabalhava na peça “Roda viva”, de Chico Buarque, encenada em 1968, no Teatro do Brigadeiro, quando brutamontes fascistas invadiram seu local de trabalho, quebrando todo o teatro, todas cadeiras, todos os cenários, invadindo, em seguida, os camarins, onde bateram covardemente nos artistas. O senhor não me conhece, como pode julgar minha prima?”

Os fascistas acham muito normal “dar porrada”, torturar ou assassinar aqueles que discordam do regime autoritário defendido por eles. O desprezo pela arte e pelos artistas faz parte do somatório de ódios que alimentam suas almas nebulosas. A falta de sensibilidade, corações duros, leva-os a pensar que o trabalho do artista não é trabalho, que é vagabundagem; daí resolverem seus orgasmos nos estandes de tiros, que em 4 anos, aumentaram mais que bibliotecas, cinemas ou teatros.

O interessante, nessa história, é que eles, em muitos dos casos, ainda dizem que são cristãos – soldados que defendem a família e a pátria.

Em tempo, já que estou a falar desses falsos cristãos, passo a falar-vos sobre um encontro indesejável com um grupo de fundamentalistas cristãos.

Na porta de uma igreja que apoiou incondicionalmente o capitão, perto de minha casa, havia uma placa com os seguintes dizeres: “Pare de sofrer!”. Ali, um grupo de fanáticos distribuía um jornal. Cercaram-me e eu me esquivei deles. Apontei para a placa da porta e lhes disse: “- Já parei de sofrer, o capitão foi derrotado!”

Como participaram do “Jejum de notícias”, para não largarem a mão do genocida, é possível que os descerebrados tenham entendido que sua igreja apoiou o pior presidente da história do Brasil.

A falta de respeito tornou-se lugar comum desde 2016.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 11/03/2023
Código do texto: T7738055
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