Incerteza


Não sei como vai ser se eu sobreviver. Pensei nisso alguns dias depois. A única certeza de que não estou morta são os ruídos das obras no meu condomínio. Não sei se antes eram tão alarmantes, ou se nunca havia prestado atenção. Agora, pessoas operam suas máquinas dentro de suas próprias casas, digo apartamentos. Afinal, aglomeração só é permitido do lado de dentro.

Os dias têm sido também alarmantes, basta para isso, ligar a TV, ou de modo tenebroso, abrir os grupos de WhatsApp. Foi assim logo no primeiro dia, quando eu já havia posto meu uniforme e acabava de estocar em minha lancheira, aquilo que me alimentaria durante o período.

__ Fiquem em casa!

Fechei e abri novamente o aplicativo a fim de me certificar de não estar em estágio noctâmbulo.

__ Há um vírus em circulação, e precisamos nos isolar.

Instantaneamente mensagens se acumulam em meu celular.

Não estava isenta do trabalho. Não. Precisava chegar a ele de alguma forma. Momentos horripilantes e tudo parecia trote, mas foi só o primeiro dia.

__ Mandem atividades adaptadas para o meu e-mail, que correspondam às aulas de hoje, assim dizia a próxima mensagem. E a próxima e a próxima.

De súbito, tudo nesses primeiros dias aconteceu.

A mídia, como sempre, tem necessidade de assaltar nossas percepções e querer que vejamos por entre as câmeras. Entre ser eu e estar no mundo, encontro-me neste momento, vivendo um faroeste silencioso. Não sei se vou ou se fico. Mas tem muita gente falando, e eu ainda estou em casa, quero viver, mas prefiro em silêncio.

O que não consigo é ficar sem fazer nada.

Abro o armário e tenho a sensação neste exato momento, de estar abrindo-o gradativamente à medida que os alimentos fogem de vista. Mas hoje, eu tenho o que comer. Respirei como quem recendia o último oxigênio.

Telefone toca. ___ Sim, estou bem. Cuidem-se! Parecia uma gravação eletrônica, daquelas de fax. Todos os dias se repetia.

Uffa! Parece que estamos vivos.

Esses barulhos matinais me dirigem a cenas do Poço, todos precisam sobreviver, mas não há equidade, assim posso ver a mídia mostrando os “espertalhões” na fila dos supermercados, para garantir a sua despensa, e nem seria um ensaio sobre a cegueira. Não vejo nada surreal, o que há não é um retrato social diante de uma pandemia, é o abismo dominante.

Diante dessa trágica pandemia, fatos adversos roubam a cena, o ser humano é mesmo um revelador de peripécias.

Que momento horrível estou vivendo. Já vivo sozinha por opção, ou quiçá, necessidade. Agora, o medo de morrer me toma de jeito, e a saudade começa a se mostrar arteira. Logo eu que pareço ter rodinhas nos pés, e não curto muito ficar integralmente em casa. Mas tudo bem, é preciso saber viver.

O medo tem nome e a saudade tem vez. Meus mais novos aliados.

Diante do que sinto, não imagino muita coisa, não dá. Ir à padaria, andar na praia, jogar conversa na mesa nos finais de semana, etc. Impossível! Não há ninguém lá. Mas se eu for, mesmo sem ninguém, não mais irei sozinha.

Assim como eu, muitas pessoas estão se acostumando com novas rotinas que estão surgindo. Eu mesmo preciso me adaptar rápido a muitas delas, para não ficar de fora da nova indústria de ócio, a Internet.

Abro a câmera, dou bom dia, falo de música, de filmes, de séries, compartilho intencionalmente o link de um jogo correspondente à aula, sigo à risca os protocolos desse novo remoto e o dia passa.

Não me sinto mais sozinha. Todos, praticamente, estão lá, por trás das lentes.

__ Não quero me confinar; toda minha vida nessa narrativa fora um “lockdown”. Acontece que, desde o circunspecto, alienado e o persecutório, todos querem falar nas redes sociais.

Eu, o medo e a saudade já temos nosso grupo. Resta-nos saber se teremos seguidores, além da Covid 19.

__ Qual a senha do WiFi?