Uma das imagens mais marcantes da minha infância, não faz parte do álbum de família que minha mãe guarda à cabeceira da cama.

Quando a família se reúne, revivemos a infância, "revisitando" este álbum, com imagens que nos fazem viver uma viagem ao túnel do tempo.

Mas, nos últimos dias, a visita ilustre que despontou solitária em minha mente, foi das vezes em que, meu pai (um homem forte e sorridente, mas pouco afetivo) brincava conosco de fazer bolinhos de barro. 

Meu pai era químico em uma companhia siderúrgica e trabalhava em turnos alternados, o que fazia com que a vida dele fosse um pouco diferente: quando acordavam, ele ia dormir; quando almoçavam, ele fazia lanches e, assim a vida ia fluindo...

Mas a sua participação especial na Confeitaria do Quintal, nunca foi fotografada.

Nunca tive muita habilidade com esse negócio de artesanato, quem dirá com decoração de bolos. Nessa competição, minha irmã mais velha ganhou o prêmio: sua criatividade e traquejo com a massa eram invejáveis. Todos os bolos dela eram campeões na votação com os primos. 

Mas meu pai, reconhecendo a minha total desqualificação para o feito, sempre aceitava fazer parte do meu time, geralmente composto por duas pessoas: ele e eu. Éramos dupla!

Ele amassava a argila, delicadamente, e a cada gesto, olhava com compaixão e acolhimento para mim, que apesar de péssima confeiteira, nunca desisti. Era engraçado que a minha motivação foi algo tão simples: quem seria a pessoa corajosa que ficaria em time diferente da minha irmã? Não fosse eu, ela jamais teria adversários. Até porque, meus primos, interesseiros sempre se "ajoelhavam" diante dela e a reverenciavam. Era tudo tão puro e tão sufocante, ao mesmo tempo.

E quando enfim, a argila estava pronta, meu pai prendia minha mão junto a dele, e ousava moldar, entre os meus dedos desalinhados, dezenas de objetos "embarrados" com a perfeição que um artista das mãos encantadas, possuía.

E como seria inevitável, acabava vencendo a competição. Ainda que, no final das palmas, ouvia um ou outro dizer que era injusto, porque meu pai teria ajudado. 

Depois de algum tempo, naquela brincadeira, acabei aprendendo as técnicas de manuseio do material e a atividade lúdica foi se tornando um prazer do qual não conseguia me livrar. Ganhar tinha deixado de ser o meu desejo, nem queria mais os torneios, mas ver minhas obras, era uma espécie de consolo, mais ainda, porque cada aprendizado, teve o toque sublime, caridoso, humilde e constante de meu pai, o herói da confeitaria.

Quando, enfim, cresci e não tinha mais como brincar de confeitaria senti saudades do meu pai, cuja ausência era justificada pelo trabalho árduo que nos deixaria em situação financeira melhor.

Vendo, na atualidade, a ausência de contato físico das crianças com a natureza e, tendo que lidar de frente com a nova vertente das relações, em que os contatos se dão por uma tela, suspeito que sintonia, tão necessária à criação e manutenção de um ambiente afetuoso, seja tão fina, que a qualquer impasse em que a corda seja esticada, o meio arrebente.

A verdade é que queria falar de imagens, mas as minhas, são feitas com recortes da vida.

Quem dera as molduras tivessem vida ou a vida fosse uma moldura.

Certamente, as paredes de casas não ficariam tão limpas e vazias... De sentimentos.

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 17/03/2023
Reeditado em 17/03/2023
Código do texto: T7742367
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