UM POETA ROMÂNTICO

LEMBRANÇAS DO MAL DO SÉCULO

Nelson Marzullo Tangerini

Um dia desses, depois ter conseguido me livrar de um resfriado muito forte, passei a tossir desesperadamente como um poeta romântico, o que me fez lembrar da existência trágica do poeta fluminense Fagundes Varela.

A turma do Café Paris, que entrou para a história literária de Niterói, quando esta cidade era capital do Estado do Rio de Janeiro, não conheceu o poeta romântico. Nem mesmo a primeira geração de “parisienses” a conheceu. Mas as histórias referentes a ele circulavam entre os frequentadores do Café, nos anos 1920, época áurea daquele famoso abrigo de poetas.

Contava meu pai, Nestor Tangerini, um dos poetas da Roda do Paris, que Fagundes Varela, já minado pela tuberculose, aparecia nas tabernas a tossir fortemente. O “mal do século”, como ficou conhecido, levou ainda, com facilidade, outros poetas do Romantismo, como Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo e Castro Alves. Gonçalves Dias, também romântico, fugiu à regra, pois morreu num naufrágio na costa do Maranhão, sua terra, quando regressava de Portugal, onde escrevera a “Canção do Exílio”.

Na “Cidade sorriso”, contavam a lenda de que a tosse de Varela, forte e impertinente, anunciava às pessoas das tabernas niteroienses, que o poeta já estava nas imediações e logo estaria entre eles para mais um aperitivo.

Mas a tuberculose continuaria fazendo seus estragos, e levaria, mais tarde, o poeta simbolista catarinense Cruz e Sousa, que morreria numa estação ferroviária, em Sítio, antigo distrito de Barbacena, para onde fora, na esperança de curar-se da doença. Desmembrada de Barbacena, o município passou a se chamar Antônio Carlos, em virtude de ali ter nascido um dos governadores de Minas Gerais.

No Encantado, subúrbio do Rio, onde morou o “Dante Negro”, autor de belíssimas páginas de nossa literatura, conseguiu escrever, em meio ao delírio da febre louca da tuberculose, o soneto decassílabo “Perante a morte”, no qual expressa tudo o que sentia naquele momento de sofrimento máximo. O soneto de que falamos faz parte do livro “Últimos Sonetos”, obra póstuma, escrita na casa do Encantado e publicada por seu fiel amigo, o escritor e professor paranaense Nestor Victor.

Mesmo sem a força inicial, a tuberculose tentaria levar ainda o poeta modernista Manuel Bandeira, que fez troça da doença, escrevendo, para ela, um poema-piada, característica da verve modernista. Nesse poema, Pneumotórax, um diálogo com seu médico, o pernambucano ouve do doutor que a única solução para a cura seria dançar um tango argentino.

Bandeira, também conhecido como o “São João Batista” do Modernismo, passeou com elegância pelo Parnasianismo, Simbolismo e o Modernismo, quando, farto, abandona “o lirismo comedido”. Tanto que, em fevereiro de 1922, seu poema “Os sapos”, sátira aos parnasianos, foi lido na festa dos incendiários modernistas.

Quanto à tuberculose, seu vírus ainda circula por aí, pegando pessoas desavisadas, mal informadas, mas sem oferecer grandes perigos, sem ceifar vidas. Graças às vacinas, elaboradas pelos cientistas. Assim também será com a cura da Covid e da Aids.

Contada em casa, essa história do poeta romântico, que morou e faleceu em Niterói, passou a ser piada entre nós, pois o costume de meus pais era chamar-nos de Fagundes Varela quando, no aconchego do lar, tossíamos de forma desesperadora.

Felizmente, não tossíamos no bonde, talvez porque meus pais, que tinham rígido controle sobre nós, fossem leitores do sábio Machado de Assis, o “Bruxo do Cosme Velho”.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 20/03/2023
Reeditado em 20/03/2023
Código do texto: T7744233
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