VIVER, VERBO NO IMPERATIVO

Ordens, ordens, ordens... Mal acordo e lá vem elas!

De manhã, voz de sino espertador: “levante-se!”

A bexiga cheia grita: “corra já para o banheiro!”.

Manda a boa higiene: “escove os dentes, tome um banho, arrume esse cabelo!”

Ordens, ordens, ordens... Por que teimam em me seguir?

Ligo a TV. Alguém tela: “Invista!” Na sequência, um menino choco-late: “coompre batom, coompre batom!”

Abro a geladeira. As embalagens ditam: “agite antes de usar!”...

A voz-metal do espertador ronca: “corra! Você vai perder a hora!”

Entro no carro. O painel berroluzeia: “Combustível acabando... abasteça ‘now’ ou vai ficar a pé”...

No caminho plaqueiam ordens, ordens, ordens... Vire à direita, PARE, vire à esquerda, OLHE, ESCUTE o apito do guarda que Silva: “siga!”.

Mais alto que o apito do polícia é o som do carro que anuncia a festa: “Não perca!”. Mais alto que os dois é o apito da fábrica...

Quem puxou a cauda do alarme? Ele não para de berrar: ”Vamos! Comece a trabalhar!”.

O tempo ordena, as horas passam... Pausa pro lanche. Hoje está daquele jeito: misto quente (frio) e refrigerante (quente)... Na latinha: “beba coca cola”.

Grita a jato a sirene: “volte logo ao trabalho!”

O tempo ordena, as horas passam... Ao final do dia ponteia o relógio: “volte para casa! vá direto para casa...” Quero muito obedecer, mas um pneu furado assobia: “procure um borracheiro ‘now’ ou vai ficar a pé”.

Em casa, enfim, meias, toalhas, pratos e outras espalharias me encaram: “nos arrume...” Quero obedecer de pronto, mas a tia de Gramática palmatora na lembrança: “corrija antes esses pronomes. Onde já se viu iniciar oração com tais obliquosidades?”

Corro e abro a geladeira: “aprecie com moderação!”, brame a lata de ilusões...

Temo entrar em depressão. Ligo a TV, e a tela diz: “ao persistirem os sintomas procure um médico”.

Ordens, ordens, ordens...

Meus olhos pesados queimam: “vá dormir!”. Quero obedecer, mas as notificações... “Olhe já seu telefone!” Não quero... Digo a mim mesmo: “Não ouse ceder ao vício...”

Acesso o aplicativo de mensagens telefônicas... Tem mensagem da mamãe: “Durma bem, meu filho!” Obedeço, então, feliz...

Ordens, ordens, ordens... Quem pode viver sem elas?