Ano novo, geladeira nova

Outro fim de ano vem chegando: tempo de férias, viagens e a confusão de sempre. Alguns – e estes são maioria – trocam a cidade pela praia; outros trocam a cidade pelo campo; e há um grupo de terceiros que, no máximo, trocam a cama por uma rede e encaram o verão como um longo período de meditação e hibernação. Se não estou enganado, os ursos também hibernam, mas parece ser no inverno¹. E sem rede.

É engraçado ver como as pessoas se comportam nos dois últimos meses do ano e nos dois primeiros do ano novo, vivendo numa velocidade acima do normal e numa ansiedade que salta pelos olhos. Algo como se o dilúvio bíblico fosse se repetir, então o melhor a fazer é correr para a praia antes da inundação.

Confesso que a agitação do fim de ano e, sobretudo, da temporada de verão, me incomoda. Mas tudo isso passa, sempre passou e sempre, por mais um longo tempo, vai passar. E, no ano que vem, você vai ouvir de novo que o ano passou rápido, mas você sabe que sempre demora o mesmo tempo.

A história é sempre a mesma: finalmente você vai terminar de pagar o carnê da TV que você comprou, então vai poder comprar aquela geladeira nova que você tanto quer. Você vai começar a caminhar nas terças e quintas para emagrecer. Vai voltar à igreja e parar de fumar. Vai parar de assistir televisão até tarde. Nunca mais vai esquecer a comida do cachorro. Vai escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho. Não nessa ordem e sem tanta pressa. E, então, você acredita que finalmente vai ser feliz.

(dezembro de 2003 - republicada)

P.S.: ¹Hibernar só é possível no inverno: a palavra deriva do termo latino hibernare, que significa “estar, cair em hibernação”, estar em estado de torpor ou letargia. Na mesma linha, há [tempus] hibernum, ou seja, “tempo hibernal”. Inverno, aportuguesada, perdeu o “h”, mas a derivação não. Outro exemplo: erva-herbívoro (de herba). Então, “hibernar no inverno” é redundância pura.

Fica aqui – passados quatro anos – a teimosia do autor em não mudar o conteúdo do texto original e suas tentativas (passíveis de fracasso, diga-se de passagem) de buscar outra explicação para o equívoco que não seja a própria ignorância. (bg, dezembro de 2007)