A PROCISSÃO

A procissão seguia pelas ruelas da pequena cidade. Se vista de cima pareceria um enorme tapete que ia sendo estendido por sobre as pedras redondas das ladeiras, ou quem sabe uma enorme serpente passando por entre os casarões e sobrados seculares.

Era lindo de se ver e de ouvir. As notas das lindas melodias que pareciam vindas de outros tempos e que foram ouvidas por inumeras gerações, no mesmo ritual da semana santa batiam nas paredes e subiam aos céus em lamentos doridos e melancólicos: "Os anjos todos os anjos louvam a Deus para sempre amém"... E o espetáculo apresentado atrtavés de sons cores e ruidos seguia por entre as ruelas exalando o perfume da tradição, trazendo à tona os ares de outros tempos e arrancando lágrimas de saudade.

Como era bonita aquilo! - Pensava o padre José enquanto observada cada movimentos dos fiéis. Quantas pessoas já não acompanharam esse cordão! Por quantas vezes essas pedras sentiram o toque de pés cansados da luta do dia a dia, mas firmes, ávidos para cumprir o ritual da fé e prestar suas homenagens aos santos, ao Deus maior através dos passos lentos e piedosos! Quantos cantos e zunzuns da reza dos terços essas paredes seculares já não ouviram! Quantas pessoas que ali estiveram com as velas nas mãos e que agora não podem estar! Quantos impossiblitados ainda guardam a chamam da fé, e agora apenas acompanham com um olhar triste e saudosista nas portas e janelas enfeitadas. E quantos fieis seguidores desses rituais não estão agora em uma linda procissão lá onde as velas têm um brilho bem mais intenso. Quantas historias, vidas e lembranças não caminham nesse cordão.

E pensava também na humanidade tão incapaz de compreender o sentido de tudo aquilo. Tão insensível à partilha, ao amor, a tudo o que Jesus Cristo pregou. Muitos seguem a procissão, se penitenciam, mas não entedem o sentido verdadeiro de tudo aquilo. Ah se entendessem o mundo seria outro.

E se ele pudesse fazer algo para acordar aquele povo? Pensava no seu sacerdócio e na sua missão divina. Estaria realmente cumprindo seu papel? Fazendo diferença na vida das pessoas? Pregando o Jesus vivo e salvador capaz de renovar e restaurar vidas? Que espécie de pastor era ele afinal? Seria capaz de ir atras da ovelha perdida? Amor, caridade, perdão, ele vivia o que pregava? Era capaz de fazer a dfierença?

Rezas, cantos, lamentos, saudade, pensamentos, tudo isso seguia no grande cordão passando entre casas, praças, sobrados, lojas fechadas, cenário da labuta das pessoas do dia a dia, cruzando a cidade seguia...

Quando a procissão chegava à igreja, encontraram um mendigo desfalecido de fome e caído na sarjeta. Nenhum entre os milhares de penitentes, homens de fé, se preocupou com ele. Padre José abandonou a procissão, saiu pelas laterais, causando espanto e indignação. O zum zum zum foi geral. A desaprovação e as fofocas começaram. O padre foi até o mendigo, tomou-o nos braços e o levou até a casa paroquial para dar-lhe o que comer.

Era o pão vivo capaz de alimentar aquele povo que seguia tentando encontrar seu caminho. Era a luz da vela mais brilhante. O Sentido de tudo. A verdadeira razão.

Aquela foi sem sombra de dúvidas a melhor, a mais perfeita homilia de toda a semana santa.

Tive fome e me destes de comer...