NEGRO DA COR DO CONTRATADO

É na roça de São Nicolau que trabalhava o António Ngunza e outros negros da cor do contratado, levados para São Tomé e príncipe em navios negreiros, como escravos, submetidos a trabalhos forçados ao longo dos séculos, em condições humilhante nas roças de cana-de-açucar, cacau e café. Era visível as mazelas no corpo escravizado do António Ngunza, que definhava a alma debaixo do sol vulcânico nas plantações do monte café. Chicoteamento na calabouço era uma das formas dos homens brancos punirem os negros por herdarem a cor do pecado na pele; os contratados pareciam irmãos gêmeos da dor.

A melanina que herdei dos meus antepassados é a minha própria sepultura, dizia o António, desiludido com a vida. Sim, o pecado estava no tom da pele do contratado como António Ngunza, destinado exclusivamente para servir os herdeiros da cor dos santos bíblicos.

E falando em servir, não é só de comida que se servem os homens; pelo menos hoje, servem-se de tudo; pessoas são das que mais se servem, com ou sem contrato, basta ser negro para ter o contrato da mesma cor.

Os tempos mudaram, dizem os demagogos, iludindo o novo contratado que na ânsia de ver morto o barulho gordo no estômago, não enxerga em si o António Ngunza, que agora sabe ler e escrever, mas não pensa por si; tem uma casa que há anos perde a luta com a prima Abril, que numa mínima discussão chama sua filha chuva, toda gorda de raiva, para lhe destruir a casa; morre não mais de chicote nas escostas, e sim de paludismo; tem como senhor seu igual da mesma cor, que munido dos seus iguais irmãos de terra e cor, capatazes, de chicotes azuis e não só, obrigam-no à ele, António Ngunza, de ontem reencarnado no hoje, à trabalhos forçados não mais em São Tomé e Príncipe, aonde se ia num navio negreiro trabalhar nas roças de cana-de-açúcar, cacau e café, mas nas lavras; nos táxis que imitam os glóbulos passeando as artérias; no centro da cidade; nas cantinas e lojas de quem lhe encontrara na terra que lhe viu nascer; nas escolas e hospitais, transportados por um navio chamado necessidade, chamado também de fome. E ainda o inocente António, não vê que Angola é São Nicolau de seus antepassados; não sente a mente escravizada por ter a pele sem mazelas, e o bolso acariciado por papeis que lhe compram os prazeres do ego, que lhe põe véu à escravidão moderna.

E os brancos com melanina em excesso, que lhes são por senhor, não chicoteiam como punição à herança melaninosa do António e seus irmãos, que até já recorrem aos cremes para castigar os melanócitos que teimam mostrar na sua pele a cor dos antepassados; os brancos-pretos celebram. Porque quanto mais negro, melhor serve-se dos António’s que nascem por aí, dia-pós-dia. Sim, o pecado ainda está na cor, como há anos idos, mas não na cor da pele, e sim na cor do pensamento fechado, sem autonomia; para que assim, servirem exclusivamente os herdeiros da cor dos santos passados.

Adalberto Fábio e Filipe Aragão
Enviado por Adalberto Fábio em 20/04/2023
Código do texto: T7768373
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