FOI DORMIR COM O LOMBO QUENTE

Toda vez que assistimos a filmes que mostram atores interpretando homens pré-históricos, nós os vemos se comunicando ou por meio de gestos ou por meio de sons estranhos como: “GRAAH”, “GRUUM”... Suponho que de tanto repeti-los, os grunhidos tenham passado a representar coisas. Como efetivamente a evolução da fala aconteceu, não será fácil descobrir, pois os registros históricos filmados só foram possíveis a partir de 1895, quando os irmãos Lumiére inventaram o “cinematógrafo”, no sudeste da França. O que é perfeitamente possível deduzir, contudo, é que a fala é mutável. Se assim não fosse, nós ainda estaríamos falando como nossos ancestrais.

No início dos anos 2000, eu tive de realizar pesquisas para fundamentar teoricamente uma dissertação de mestrado. Foi nessa ocasião que eu encontrei autores que afirmam que os homens primitivos sentiram necessidades de contar, diferenciar e registrar objetos, animais ou grãos, e que eles fizeram isso utilizando pedrinhas e peças de argila de diferentes formas.

Pesquisando um pouco mais, eu descobri que, além dos desenhos rupestres ainda existentes em várias cavernas, os nossos ancestrais deixaram marcas personalizando quem tinham sido os “contadores de animais”, quando esses precisavam ser substituídos. Refiro-me aos pastores que ficavam tomando conta dos “rebanhos”. Eles contavam os animais colocando em uma sacola de couro, igual número de pedrinhas. Com as marcas que faziam nas sacolas, eles acabaram criando uma relação semiótica bem simples e direta, codificando o sujeito que contava e a quantidade de animais que eram contados. Acredita-se que por causa dessa necessidade de registros e da invenção de códigos é que nasceu a escrita.

Mas... como explicar que haja idiomas, sotaques e escritas tão diferentes? Simples! Nem todos os homens moravam num só lugar e não existiam os aparelhos de transmissões de informações de que dispomos hoje. Eis por que as falas e as escritas passaram a ser diferentes.

Para entender melhor, evoque à sua mente o mapa da Europa e localize Portugal e Espanha. Fez isso? Agora, lembre-se de que sua professora lhe disse que esses países compunham um lugar chamado Península Ibérica. Não vale dizer que você “faltou à aula no dia”, e nem confessar que, na verdade, você estava era conversando fiado com os coleguinhas.

Pois é, em 218 a.C., as pessoas daquelas bandas viram os soldados romanos chegarem a suas terras, botando para quebrar e empurrando goela abaixo a língua deles: o latim (vulgar ainda por cima). Como se não bastasse isso, entre 409 d.C. e 711 o Império Romano, que já andava mal das pernas, se lascou nas mãos dos bárbaros ou mouros (principalmente os suevos e os visigodos), que invadiram a tal Península Ibérica.

Imagine só: o povo de lá, que já tinha se acostumado a falar latim vulgar, de repente teve de se virar para aprender o árabe, já que essa era a língua dos novos conquistadores. É certo que a população bem que continuou a usar as suas falas românicas, mas quando os mouros foram expulsos, eles já tinham conseguido incorporar milhares de vocábulos na fala e na escrita daquele pessoal.

Foi dessa miscelânia que nasceu a língua em que, abusadamente, eu escrevo esta crônica. Confesso que sou abusada ao escrever na esperança de ser lida por alguém (e ainda adoraria se gostasse), mas fico rezando para que meus antigos professores de Língua Portuguesa não se envergonhem muito de mim, nas vezes em que cometo algum deslize.

Mas voltemos ao ponto de partida...Tantos anos depois do nascimento da escrita, ainda posso voltar à fala dos nossos ancestrais para divertir meus amigos, contando essa historinha, abaixo, utilizando diversas onomatopeias (figura de linguagem que busca reproduzir os sons e ruídos do mundo físico) e fazendo mímicas:

Brrrr… brrrrr…. Atchim… Atchim… Dim, dom!, Craaaash!, Hein?, Er... Ahn ..., Blá, blá, blá, blá... Huuumm!?! Nhoc, nhoc, nhoc? Ahamm!, Nhoc, nhoc... Eca!, Glub, glub, glub? Ahamm! Glub, glub... Eca!, Puuum! Êpa!, Pum? He, he, he!, Gruuuummm!, Xiiiispa!! K,k,k,k…!, Gruuuummm!, Splash!, Plaft!, Pou! Aaaaai!, Buá, buá, buá!, Sniff!, sniff! Psiu!, Zzzzzz! Ronc, roooonc! Ufa!, Click!

E você, entendeu tudinho? Não? Então, vou quebrar o seu galho, fazendo um exercício de imaginação. Como personagens, escolhamos um filho jovem e uma mãe:

Suponha que numa noite fria, um jovem chegue gripado e tirititando de frio à sua casa. Ele bate à porta, aperta a companhia e a porta emperrada se abre. Sua mãe lhe faz uma pergunta desconcertante, cuja resposta é difícil. O filho conta uma história inverossímil. Em seguida, ele pergunta se tem algo para comer e recebe resposta positiva. Ao comer o alimento ele acha o gosto muito ruim. Pergunta se tem algo para beber e recebe resposta positiva, também. Ao receber a bebida, também a acha nojenta. Repentinamente, o jovem solta um flato. É repreendido por sua interlocutora que lhe questiona se realmente o ruído fora um flato. O danado ri. A mãe vocifera e o expulsa do recinto. O repreendido gargalha. A mãe vocifera, o esbofeteia e o soca. Ele grita, chora e chora baixinho. A mãe o manda silenciar e ir dormir. Ele, por fim adormece e ronca. A mãe, aliviada, desliga a luz do quarto.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 25/04/2023
Reeditado em 25/06/2023
Código do texto: T7772900
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