GABINETE DO DR. CALIGARI

O amigo certamente já deve ter ido ao dentista. Pois esta é uma das minhas sinas. Em outra vida, devo ter chutado a boca de um Bispo, enquanto me amarravam para ser queimado, ou coisa que o valha, para sofrer tanto na mão destes prestidigitadores. Sim, estes profissionais são mesmo uns mágicos, pois conseguem colocar um carro dentro da boca da gente e nem se nota. A boca não, mas o bolso sim. Sou “expert” neste tipo de fauna há mais de trinta anos. Acompanhei o desenvolvimento dos equipamentos, seus motores e de toda a parafernália que circunda a famigerada cadeira. Se houve melhoras, não sei dizer, pois continuo achando serem estes profissionais a reencarnação dos inquisidores que, por bons serviços prestados, retornam para se deleitarem com requintes de sadismo. Ainda não sei o que é pior, se a dor natural ou àquela provocada pelo profissional. Outro dia desses, um deles instalou uma armação na minha boca, com borracha e tudo, que mais parecia um andaime daqueles de obra, com direito à proteção de quem passa em baixo. Me senti o próprio edifício em reformas, apenas por tratar um canal.

Do que mais me admiro, na verdade, é que tem gente que vai lá voluntariamente e deixa que lhe instalem algo como um pára-choque. Chamam esta “Ópera de arame” de “aparelho”, denominação que na minha juventude era dada às casas que abrigavam terroristas. Tudo indica que há uma forte correlação entre uma coisa e outra. Aparentemente serve de expiação para os pecados de todas as gerações anteriores da família do indivíduo, forçando os dentes para lá ou para cá, noite e dia. Ouvi dizer que é uma questão estética, mas só pode ser propaganda enganosa ou algum tipo de devoção religiosa, isso sim. A pessoa, depois, deve treinar sorrir de boca fechada para todas as fotos nas quais vai sair e fica proibida de chupar manga por um bom tempo. Acredito que quem inventou isso, detestava ver seu filho mascando chicletes. Alguns possuem o requinte de uma estética tipo alienígena, de “Jornada nas Estrelas”, com arames que circundam a cabeça e esticadores por trás da nuca. Só fica faltando o tapa-olho e a carroça. Deve ser para estudantes dispersos, provavelmente, castigo para quem não olha para frente na sala de aulas. Se não for, então é masoquismo explícito, coisa que nem Freud explicaria se vivo fosse.