RITA LEE II

RITA LEE FOI PASSEAR...

Nelson Marzullo Tangerini

Passei 9 dias internado num hospital do Andaraí por conta de uma septicemia que quase me levou para o andar de cima.

Depois de três dias no CTI, devido a minha melhora, passei para um quarto, onde tinha a companhia 24 horas de minha esposa, Verônica, e uma televisão. Numa noite, meu enteado, André, me fez companhia.

Na segunda-feira, 8.5.23, acordei melhor – e cantarolando para Verônica uma canção de Rita Lee, “Coisas da vida”, dando ênfase a alguns de seus versos: “Depois que eu envelhecer, ninguém precisa mais me dizer como é estranho ser humano nessas horas de partida” e “São coisas da vida... E a gente não sabe se vai ou se fica”.

Momentos depois, a televisão anunciava a morte de Rita Lee Jones de Carvalho, o que nos deixou impressionados.

Cantarolei essa música, com um certo teor de pessimismo, porque estava internado em estado grave, tentando reverter aquele quadro: uma infecção generalizada - agravada por uma infecção renal -, que se espalhara no meu sangue, atingindo o coração, alterando meus batimentos cardíacos.

Lembrei-me, então, naquele momento hard, de quando me encontrava com Rita nas festas de minha prima, Marília Pêra, no Noites Cariocas ou quando assistia – todos os dias – ao seu show Babilônia, no Teatro Tereza Rachel, em Copacabana. Frequentava o camarim, onde podia conversar com ela e Roberto.

Certa vez, na casa de Marília, pude ver Rita em sua segunda gravidez. Conversamos e ela me disse desejar que, agora, viesse uma menina. E veio outro menino: João.

Rita era uma pessoa alegre, divertida, irreverente, amável. Uma pessoa além de seu tempo. Amava crianças e os animais, da mesma forma que rejeitava a caretice.

Ao saber de sua morte, muitas lembranças me vieram à mente, fazendo-me esquecer das dificuldades pelas quais passava. Como, por exemplo, quando ela balançou o sólido edifício da Música Popular Brasileira em Arrombou a festa I e II (parceria com Paulo Coelho).

Não era ela, propriamente, quem criticava a sisudez da MPB, mas as pessoas que já se queixavam da mesmice que inundava nossas rádios.

Em Jardins da Babilônica, ela voltava ao assunto e criticava que a criticara, mandando na lata: “Deixa os acomodados que se incomodem”.

Em Arrombou a festa I e II há elogios, também: “Martinho vem da Vila, lá do fundo do quintal, tornando diferente aquela coisa sempre igual”. Ou “Dez anos e Roberto não mudou de profissão; na Festa de arromba ainda está com seu carrão” (ou seja, no topo das paradas de sucesso). Ou “Pra defender o samba, contrataram a Alcione. É boa de piston, mas bota a boca no trombone” (referência ao vozeirão da cantora maranhense). Ou, ainda, a ela mesma: “A Rita Lee parece que não vai sair mais dessa, pois pra fazer sucesso arrombou de novo a festa”.

No meio universitário questionava-se a MPB. Notava que os companheiros universitários eram também policiais – como os antúrios da vida. E talvez “Arrombou a festa I e II caíssem bem dentro dos circuitos universitários, onde havia intelectuais sisudos e, ao mesmo tempo, caretas.

Fazia faculdade de Comunicação -Jornalismo na Facha, como disse em outra crônica, e vivenciava isso todos os dias: roqueiro tinha cara de bandido, de alienado e de maconheiro.

Mas estava certo de que o futuro absolveria Rita Lee, que já foi pedra, planta e agora era uma pessoa evolvida pelas vidas que havia vivido.

Além de balançar os alicerces da Música Popular Brasileira e da sociedade conservadora – de esquerda e de direita -, Rita trazia, também, a irreverência, o deboche, a alegria e a descontração à tão mal humorada música que se fazia – fruto da ditadura que prendia, torturava e matava. E por isso acabou recebendo, erradamente, o rótulo de alienada. Distribuiu o Fruto proibido a quem desejasse sorrir e debochar do regime autoritário naqueles tempos difíceis: os anos de chumbo.

Já fora do hospital, “Quero mais saúde!”, leio o que escreveram sobre ela nos jornais e revistas.

Abaixo a mesmice! Rita Lee presente!

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 16/05/2023
Código do texto: T7789658
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