OS PRISIONEIROS

Um pássaro canta à janela do meu quarto. Ele voa na amplidão de um planeta secular. Deixa-se molhar na frescura mansa da chuva que banha a poeira desses loucos dias. Retira-se. Volta. Pousa no muro de onde posso fitá-lo.

Asas soltas e inteiras encontram a liberdade ou a ilusão do que isso seja. Inadmissível que os homens tenham criado gaiolas na tentativa de apreender o canto. A beleza resiste ao cativeiro, mas míngua as ganas de preencher a vida de encantos. Os homens cegos para o amor e a empatia, perfuram os olhos de quem não se alimenta do ódio. E as penas leves da liberdade convertem-se em penas incompreensíveis num cubículo com grades donde é impossível mirar e mergulhar no horizonte.

Os cantos vindos do suplício não afagam o meu peito. Despertam em minhas retinas a revolta e a vergonha de minha espécie humana. No entanto, lembro que os corações humanos possuem gaiolas. Somos seres aprisionados em nossa própria solidão. Tropeçamos em nossos passos. Tememos a morte. Enraizados em nossos fracassos, escravizamos a ingenuidade para fingirmos ser fortes. E não vamos além de nossas míseras convenções. E não criamos nada que não nos aprisione em um futuro não distante. Sempre perdidos à procura de algo que sacie nossa sede de felicidade, a cada dia buscamos mais e mais na tentativa de preencher os dolorosos espaços de nossas insanáveis dúvidas. Racionalizamos e padecemos porque fitamos o horizonte, entretanto, ele foge para sempre de nossos dedos. Não podemos aprisioná-lo, apenas reter a imagem que dele pensamos ver. Encaramos o mundo por baixo feito criaturas que se rastejam e pedem compaixão a um criador que elas fingem entender e amar. Nossos muros nos limitam. Nossos sonhos abrem janelas, mas a esquina da liberdade é uma ilusão de ótica que dura alguns poucos instantes.

Pássaro pequeno, voe para longe de humanas mãos! Os mesmos dedos que alimentam também constroem as gaiolas. Somos prisioneiros de nossas invenções. Deuses encarcerados no sanatório das emoções.