A MENINA QUE EMPRESTA LIVROS

A MENINA QUE EMPRESTA LIVROS

JOEL MARINHO

Essa é mais uma daquelas histórias que só a profissão de professor pode proporcionar, tão fora do enquadre no momento cercado e regido por celulares gerando em nós um certo espanto, porém de forma positiva. Essa história é da menina que emprestava livros.

Foram poucos de fato os alunos que nesses oito anos de serviço público quanto professor me trouxeram belíssimas surpresas como “perturbar”, no bom sentido da palavra por livros e explicação naquilo que tanto a minha disciplina, como por vezes outras poderiam trazer. Sim, foram poucos, talvez eu possa contar nos dedos a quantidade, entretanto, esses poucos são sem dúvidas o combustível para eu ir em busca de mais saber e me dedicar mais a esse ato árduo que escolhi, o ato de “ensinar”. Coloco esse ensinar entre aspas porque na verdade isso é uma via de mão dupla, ao ensinar acabamos também aprendendo e muito.

Quero frisar aqui uma coisa, todos os que tiveram essa “audácia” de me “perturbar” estão seguindo uma vida acadêmica, sei disso porque ainda acompanho alguns pelas redes sociais ou encontro pela Universidade Federal do Amazonas, onde me contam as “aventuras” do mundo acadêmico.

Pois bem, dessa vez tenho em uma das minhas salas de aula de terceiro ano do ensino médio uma aluna, ela é mestra em “perturbar”, essa perturbação a qual eu gosto. Ora é: professor, eu não entendi isso, por que aquilo, mas se é isso então por que entendi outra coisa? Ela é aquela pessoa da mente acelerada, as vezes até demais que chega a atrapalhá-la. Além de querer saber um monte de coisa quer ler e assim passou a pedir algumas leituras.

Mas logo eu que sou tão apaixonado por meus livros, e confesso, não gosto de emprestá-los, todavia, ela já provou que está interessada mesmo, além de ser muito responsável. Termina de ler um livro já quer saber qual será o próximo título. Quanto orgulho!

Igual a todos os outros guerreiros que tive o privilégio de ser professor ela também vacila e oscila entre o potencial que tem e a autoestima baixa. Talvez seja algo inerente do próprio ser humano, principalmente do adolescente, porém aos poucos vão descobrindo o quão longe podem chegar.

Vejo nesses alunos a força de vontade, a garra e de certa forma me sinto vivo, pois mesmo já um pouco cansado pelos baques da vida rememoro meus momentos de adolescência, a falta de apoio estatal e a convivência andando sobre o fio da navalha sem nenhuma ou quase nenhuma oportunidade, a não ser roça e construção civil.

Eu não emprestava livros de ninguém, pois não havia quem tivesse livros na região onde nasci, quando muito havia uns cordéis amarelados pelo tempo e uns livros de faroeste, a força maior para eu aprender a ler e até conseguir comprar alguns. Não, eu não emprestava livros de ninguém porque não tinha por ali, mas uma vez emprestei um cordel meu a um conhecido que levou embora e ao sair ainda disse a mim: “vou ganhar dinheiro na história”. As lágrimas ainda insistem em cair todas as vezes que disso lembro. Talvez seja daí o meu grande problema para emprestar meus livros, eles são como tesouros para mim.

Mas diante a vontade de alguns alunos em querer aprender mais sobre a vida e a história eu abro exceções e empresto alguns dos meus tesouros. Porque conhecimento é isso, de nada adianta se intoxicar de saber se ele não irá fazer efeito prático ou abstrato na vida de mais ninguém. Por isso escolhi ser professor e eterno aprendiz, é a minha profissão, logo também meu “ganha pão”, mas além disso há algo mais profundo que eu não saberia explicar, missão talvez, nem gosto muito desse termo, porém sem uma explicação mais plausível eu ficaria com ele, missão de emprestar e ajudar através daquilo que tenho e aprendi às meninas e meninos que emprestam livros.

Os livros são pássaros sem asas, mas que tem o poder de atravessar mares, montes e vales e embelezar cérebros capazes de os abraçar.