CONES DE FENO

CONES DE FENO

A alvorada dos gansos nos tirava da cama para manhãs frias e nevoentas.

[ Era julho, estávamos em férias escolares ]

O capim “papuã”, colhido no dia anterior – descansava no carroção.

A estradinha de chão proxima à nossa casa, cheirava à café recém coado, e o potreiro de capim pisado pelos animais, era nosso paraíso

naqueles começos de dias quando julho – birrento - ia sucumbindo aos assédios de agosto,

lá estávamos - meus primos e eu, mais alguns amigos da vizinhança – apostos para erigir os cones de feno, tão comuns naquela época.

Que nada mais eram além de capim armazenado para servir de suprimentos aos animais.

Começava a festa - e a briga - entre os participantes do mutirão.

Um tronco bem alto era fincado ao chão e o feno ia-se trançando ao seu redor afunilando-se em formato de cone,até atingir o topo.

Depois de uma certa altura,necessitava-se de uma escada e as muitas “desavenças” davam-se por conta da disputa pela mesma.

Na medida em que faltava matéria prima para a confecção, embarcados no carroção tomávamos o caminho das colonias de lavradores em busca de mais material para o trabalho.

Essa pequena viagem era uma festa !

Depois de prontos,vistos de longe, os cones lembravam aldeias indígenas.

À tarde, sob o sol tépido de inverno,espalhavámos nossas preguiças sobre o tapete do gramado.

Caquis e algumas amoras temporãs ofereciam-se além das cercas de ripas.

As chaminés em fumaça delatavam gostosuras nas cozinhas da tarde.

Ao fim do dia , era naquela aldeia que tecíamos sonhos de meninos ao redor de pequenas fogueiras.

Pra não morrer de solidão, o estábulo firmara um pacto com a fileira de eucaliptos no entorno do potreiro.

Assim,o odor fétido de seu interior, juntava-se à leveza dos eucaliptos e a tarde, feito donzela perfumada, punha-se à espera do beijo da boca da noite.

Uma estrela precoce surgia num céu de cristal ,bolinando nossos púberes sentimentos e os primeiros amores – geralmente platônicos- vinham à tona.

O tempo - esse cruel – nos envelhece,nos torna xaropes saudosistas e as divagações sobre coisas tão singelas vão tomando assento em nossas casas da alma.

De repente retomo um trecho de “Olhai os lírios do Campo” de Érico Veríssimo:

“Eugenio olha a paisagem.Cones de palha à beira da estrada,montanhas azulando ao longe, uma lagoa,uma plantação de eucaliptos...Bangalô cor de rosa,mulher à janela,homem no jardim,pijama listrado,chapéu de palha,regando as flores.Tudo tão rápido,fugindo...”

Vêm-me à lembrança..

Agosto a pique !

Retorno ao primeiro dia de aula.

Aquele bangalô cor de rosa – tal qual o de Érico – no trecho que percorríamos.

O gado ruminando a preguiça de dias iguais à sombra de dois enormes cinamomos em suas primeiras floradas.Cones de feno no potreiro ao lado da casa, jardim exalando o cheiro dos junquilhos e o casal, na varanda, nos estimulando à caminho da escola.

Tudo tão longínquo e agora tão “aqui” nesta saudade que me retorna até aquela boca mentolada ao dentifrício que acabara de usar naquela tarde morna em princípios de agosto...

IRATIENSE THUTO TEIXEIRA
Enviado por IRATIENSE THUTO TEIXEIRA em 26/05/2023
Reeditado em 26/05/2023
Código do texto: T7797966
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