A CPI dos Ianomâmis

Deixei esse rascunho inacabado. Acho que fui pega pelo desânimo de esperar tanto pela justiça dos fatos. Escrevi enquanto via um trecho da CPI da ‘crise humanitária’ (melhor dizendo, genocídio) dos Ianomâmis, instaurada no início desse ano (e pensar que já estamos no meio dele e ainda não vi ninguém preso).

Não estava à procura. O vídeo da CPI encontrei no Youtube por obra dos algoritmos. Honestamente, não sabia sequer que a Comissão de investigação já estava em curso. Não vi divulgação na mídia.

Sendo transmitido o evento ao vivo, de cara, dei com a Damares de preto e vermelho iniciando sua fala. Com aparente voz mansa, de quem pretende aparentar sempre uma calma, mesmo que manipulada, a senadora tentava explicar por gestos (parecia que com fastídio) o trajeto da verba que ‘seu’ governo tinha enviado para os Ianomâmis.

“- Vou explicar para vocês conseguirem entender: aqui (e a mão acachapou na altura da bancada) fica tal órgão, aqui ( e a mão sobe até o microfone) fica esse outro e aqui (a mão vai além da altura da sua imaginação) fica esse. Portanto, não sei o que foi feito com o dinheiro que nós liberamos.”

O que a Damares se esforçava a explicar, a nós, reles imbecis, é que, no final das contas, ela não tinha absolutamente nada a ver com a história. Que ela não pertencia a nenhum daqueles ‘patamares’ desenhados por suas mãos e que, ali, diante da CPI, ela aproveitava para, publicamente, as lavar.

Um silêncio (constrangedor) se fez.

Assim que terminou de dar a explicação, a senadora, possivelmente, sentiu algum ruído da consciência que dificilmente desiste de torturar seu carrasco (só mesmo quando este já chega à psicopatia), mas só sei que, de repente, a voz da senadora subiu ao mais alto galho de uma inimaginável árvore frutífera…

” – Eu não sei de nada! Estou sendo acusada nas redes sociais de genocídio! Não sou eu que trato dessa parte, dos indígenas!”

Ora essa, pensei: sem sombra de dúvida, a ‘pobre’ senhora só se esqueceu que índio é ser humano e, ninguém mais que eles, os povos originários dessas terras, tem direitos nesse país. e que a pasta que ela carregou durante quatro anos sob as axilas, por todo santo dia, era justo essa, a de Direitos Humanos. (O etnônimo “Yanomami” foi produzido pelos antropólogos a partir da palavra yanõmami que, na expressão yanõmami thëpë, significa “seres humanos”. https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Yanomami)

Voltando à CPI…

Em seguida, sem se dar ao trabalho de acrescentar algo à fala de Damares, Junior Hakurari Kopenawa, líder dos Ianomâmis, herdeiro de seu pai, Davi Kopenawa, que lutou contra os garimpeiros durante 40 anos contra o desmatamento da floresta e conquistou a demarcação do território para os Ianomâmis, respondeu, direta e indiretamente, à consciência dessa, daquela pessoa, e de qualquer um de nós, inclusive da minha, com uma lição que eu levei para a vida e que fez com que esse texto deixasse de ficar no rascunho:

“Cumprimento a todos…. antes de mais… quero pedir para vocês pararem de tratar a nós como ‘nossos índios’, nós não somos propriedade de vocês. Não somos coisas. Nós somos donos das terras em que habitamos e somos cidadãos desse país”

E, sempre tiveram razão acerca

do Povo napêpê (estrangeiro, inimigo)

"A primeira visão que tiveram dos brancos foi de um grupo de fantasmas vindo de suas moradias nas “costas do céu” com o escandaloso propósito de voltar a morar no mundo dos vivos (a volta dos mortos é um tema mítico e ritual particularmente importante para os Ianomami). A língua “emaranhada” dos forasteiros lhes foi transmitida pelo zumbido de Remori, o antepassado mítico do marimbondo comum nas praias dos grandes rios.

(https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Yanomami

Caras-pálidas, mortos-vivos, almas penadas, fantasmas das florestas)

E, senadora, isso não será esquecido…

Kawer

Kawer
Enviado por Kawer em 28/05/2023
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