NO DEGRAU MAIS ALTO DOS PÓDIOS

No dia 09 de dezembro de 2009, eu recebi um telefonema de Maria Simon, esposa de Miguel Calmon. Ela me disse que uma das minhas mais queridas professoras de História, Dona Joacyr Calmon Mantovanelli, queria falar comigo e pediu-me que eu me limitasse a ouvi-la, pois ela não seria capaz de me escutar. Maria garantiu-me que, a seguir, ela me ouviria e interpretaria para minha inesquecível mestra, o que eu quisesse lhe transmitir.

Meu coração estava disparado com a notícia de que minha amada e inesquecível Diretora do “Colégio Estadual” queria falar comigo... E comecei a ouvir uma voz fraquinha e amorosa me dizer coisas lindas: “Minha querida aluna, Norma Astréa (poucas pessoas me chamam por meus dois primeiros nomes), que bom que você sempre se lembra de mim. Gosto muito do que você escreve, você me faz rir ou pensar com seu jeito esperto de escrever. Você sempre foi uma boa aluna e professora, o privilégio é meu de você ter estado em minha vida. Obrigada por sempre se recordar de mim. Como você sabe eu perdi a audição e não foi por não ter buscado recursos, primeiro com Dr. Jayr Fregona....[...]”

Enquanto ela falava, comecei a chorar pela impossibilidade de abraçá-la fortemente, de beijá-la fraternalmente e de dizer-lhe: “Ninguém consegue ser tão amado por tanto tempo, se não marcar indelevelmente os corações de seus alunos. Enquanto eu viver, a sua história como educadora será informada às gerações, que precisam se espelhar em exemplos de amor à educação.” Emocionadíssima, pedi à Maria Simon que lhe dissesse tudo isso, que seu telefonema era um privilégio para mim e que eu a amarei, enquanto eu viver.

Hoje, quase 14 anos depois daquele telefonema, às terças, quartas e quintas feiras, eu ultrapasso o portão da escola que Dona Joacyr dirigiu durante tantos anos, e o faço para coordenar o Centro Estadual de Idiomas, que oferece inglês comunicacional, gratuitamente, para cerca de 200 alunos de 1ª e 2ª séries do Ensino Médio, da rede estadual, com oportunidade de concorrer a bolsa de estudos no exterior.

Embora, atualmente, a escola Emir de Macedo Gomes tenha uma arquitetura moderna, completamente diferente daquela em que eu estudei; eu consigo saber, mentalmente, que a minha atual salinha fica localizada perto do muro do lado da BR 101, indo para a quadra de esportes que tínhamos nos anos 70. Na verdade, quem não conheceu a nossa escola, terá dificuldades para reconhecer seus antigos espaços olhando apenas os atuais.

Para mim, esse exercício é relativamente fácil, pois frequentei a construção existente entre a rua Nicola Biancardi e a avenida São Mateus, durante todo o ginásio e o curso científico, na década de 70. Além de identificar os possíveis locais, estão vivas em minhas memórias colegas, professores, fatos e pessoas muito marcantes.

Os tempos mudaram, hoje os uniformes dos meninos e meninas são camisetas brancas com detalhes na cor das calças ou bermudas (de tecido sintético) verde-bandeira, muito diferentes das saias caquis e blusas/camisas azul-claras, das alunas do “ginásio”, ou das saias azul marinho e blusas brancas usadas pelas normalistas. A maioria frequenta a escola usando “sandálias de dedo” ou tênis, e fico imaginando o que eles pensariam de nós, se entrassem em uma máquina do tempo e nos vissem calçando kichutes com os cadarços amarrados acima dos tornozelos...

Às vezes eu me pego lembrando do “Periquito”, aquele moço meio magro, meio vesgo, que parava o seu carrinho de madeira (pintado de cor verde cana, desbotado, tendo em uma das suas extremidades um dispositivo de metal, que possuía duas garrinhas para prenderem laranjas), perto do portão de entrada. Muitas vezes não tínhamos dinheiro para comprarmos nada, mas adorávamos vê-lo acionando a manivela da sua maquininha, transformando as cascas das saborosas frutas, em longos e perfumados fitilhos.

Isso mesmo, meu leitor: nós não tínhamos iogurtes, nem biscoitos finos, nem hambúrgueres, nem salgadinhos para merendar... Nós gostávamos de chupar laranjas, de comprar os pirulitos feitos com calda de açúcar (em formato de guarda-chuvinhas, envoltos em pedacinhos de papel manteiga, vendidos espetados nos muitos orifícios existentes em um tabuleiro redondo de madeira). Quando tínhamos mais dinheiro, comprávamos as deliciosas cocadas vendidas pelo sr. “Tinindo”, quando não o tínhamos, entrávamos na fila do “tio do quebra-queixo” para sentirmos o aroma delicioso daquele doce moreno e puxento, decorado com lasquinhas de coco e que ele, tão habilmente, cortava e servia aos interessados.

Hoje a escola ainda conta com cantina, mas dona Maria não está mais lá, atendendo com aquele adorável sorrisão. Em seus turnos, todos os meninos do Emir de Macedo Gomes podem escolher se querem receber refeições de verdade (servidas em pratos e canecas de vidro, e talheres de inox) feitas com capricho por profissionais contratadas para cozinhar, mediante instruções de nutricionistas.

Sem nenhum esforço, me transporto para o período de 1968 a 1975 e vejo o Sr. Gilberto Castelo, o Sr. Olímpio Bezerra, a Coordenadora Maria... Na secretaria vejo a Tiana Serra Silva, a Mana (irmã de Maria), a dona Tatinha (Pretextata) e depois, a Normélia Rosseto e o Chicão Calmon. Nas salas de aula vejo tanta gente querida, que aqui representarei apenas por aqueles que lecionaram para mim nessa querida escola, mas que não estão mais conosco: Elizabeth Intra Viana, Lucinha Bortolotti, Octaviano Carvalho Calmon, Antonieta Banhos Fernandes e Maria Lúcia Grossi Zunti.

Fecho os olhos, viajo no tempo, e vejo a minha amada Dona Joacyr, junto com sua grande amiga, a Dona Arlêne Campos, ali por perto de onde era a sala da Direção (mais ou menos onde é parte da quadra de esportes hoje). Ainda consigo “ver” na parede da sua antessala, aquela imensa e linda tela, pintada a óleo, por muitas mãos, mostrando a famosa cena do grito de independência, às margens do rio Ipiranga. Melhor lugar não havia para guardar aquela lindeza, que em um dia 07 de setembro da década de 70, desfilara por Linhares sobre um caminhão, durante a parada estudantil, em que todos nós, alunos e professores, desfilávamos marchando. Às vezes eu a vejo perto da sala dos professores de outrora, às vezes está perto da sala dos instrumentos da banda, em outras ali por perto de onde entoávamos o hino nacional... Sempre atuante, sempre querida, sempre marcante nas falas e nos atos.

Aqui da minha salinha, onde reviso este texto, eu olho a nova escola e penso que a Emir de Macedo Gomes é muito abençoada, pois Deus permitiu que, de 1964 (ano da sua fundação) até hoje, os destinos educacionais de milhares de alunos fossem conduzidos apenas por pessoas boas. Dentre os seus vários professores, gestores e funcionários de modo geral, que se enquadram nesse adjetivo, eu destaco duas pessoas e, em seus nomes, homenageio todas as demais.

A primeira é uma mulher valorosa, preciosa demais para a educação, que marcou positivamente a minha vida e as de milhares de pessoas, que hoje fazem diferenças significativas na sociedade: Dona Joacyr Calmon Mantovanelli. A segunda pessoa foi aluno, professor e gestor da Emir de Macedo Gomes, por cerca de 30 anos. Quem teve a honra de ser liderado por ele sabe o quanto ele foi gente boa, honesto, decente, cordato e cumpridor de seus deveres. Refiro-me a Jocival Marchiori, alguém cuja lembrança ainda nos enche de tristeza por ter sido a primeira vítima da Covid-19 em Linhares, mas, também, nos alegra, pois sentimos que ele ainda está conosco, em cada espaço dessa escola.

Ambos “lutaram o bom combate”, deram contribuições impagáveis à educação, se aposentaram e não estão mais em Linhares. Para mim, eles estarão sempre de pé, no degrau mais alto de dois pódios, existentes nos corações de todos que, amorosa e competentemente, foram liderados por eles.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 31/05/2023
Reeditado em 04/07/2023
Código do texto: T7802185
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